paz lembrava de uma mulher que confiou no deserto, e o deserto um dia lhe trouxe a pessoa que desejava amar. Montaram em seus cavalos, e desta vez foi o rapaz que seguiu o Alquimista. O vento trazia os ru­dos do o¡sis, e ele tentava identificar a voz de F¡tima. Naquele dia n£o tinha ido ao po§o por causa da batalha. Mas esta noite, enquanto olhavam uma cobra dentro de um c­rculo, o estranho cavaleiro com seu falc£o no ombro havia falado de amor e de tesouros, das mulheres do deserto e da sua Lenda Pessoal. ­ Vou com vocª ­ disse o rapaz. E imediatamente sentiu paz no seu cora§£o. ­ Partimos amanh£ antes que o sol nas§a ­ foi a ênica resposta do Alquimista. O rapaz passou a noite inteira em claro. Duas horas antes do amanhecer, acordou um dos rapazes que dormia na sua tenda, e pediu para lhe mostrar onde morava F¡tima. Sa­ram juntos, e foram at© l¡. Em troca, o rapaz lhe deu dinheiro para comprar uma ovelha. Depois pediu que descobrisse onde F¡tima dormia, e que lhe acordasse e dissesse que o rapaz a estava esperando. O jovem ¡rabe fez isto, e em troca ganhou dinheiro para comprar outra ovelha. ­ Agora deixe-nos a sãs ­ disse o rapaz ao jovem ¡rabe, que voltou   sua tenda para dormir, orgulhoso de haver ajudado o Conselheiro do O¡sis; e contente por ter dinheiro para comprar ovelhas. F¡tima apareceu na porta da tenda. Os dois sa­ram para andar entre as tamareiras. O rapaz sabia que era contra a Tradi§£o, mas isto n£o tinha nenhuma import¢ncia agora. ­ Vou partir ­ disse. E quero que saiba que vou voltar. Eu te amo porque... ­ N£o diga nada ­ interrompeu F¡tima. ­ Ama-se porque se ama. N£o h¡ qualquer raz£o para amar. Mas o rapaz continuou: ­ Eu te amo porque tive um sonho, encontrei um rei, vendi cristais, cruzei o deserto, os cl£s declararam guerra, e estive num po§o para saber onde morava um Alquimista. Eu te amo porque todo o Universo conspirou para que eu chegasse at© vocª. ­ Os dois se abra§aram. Era a primeira vez que um corpo tocava no outro. ­ Voltarei ­ repetiu o rapaz. ­ Antes eu olhava o deserto com desejo ­ disse F¡tima. Agora ser¡ com esperan§a. Meu pai um dia partiu, mas voltou para minha m£e, e continua voltando sempre. E n£o disseram mais nada. Andaram um pouco entre as tamareiras, e o rapaz a deixou na porta da tenda. ­ Voltarei como seu pai voltou para a sua m£e ­ disse. Reparou que os olhos de F¡tima estavam cheios d'¡gua. ­ Vocª chora? ­ Sou uma mulher do deserto ­ disse ela, escondendo o rosto. ­ Mas acima de tudo, sou uma mulher. F¡tima entrou na tenda. Daqui a pouco o sol ia aparecer. Quando o dia chegasse, ela ia sair e fazer aquilo que havia feito durante tantos anos; mas tudo havia mudado. O rapaz j¡ n£o estava mais no o¡sis, e o o¡sis n£o teria mais o significado que tinha at© pouco tempo antes. N£o seria mais o lugar com cinqìenta mil tamareiras e trezentos po§os, onde os peregrinos chegavam contentes depois de uma longa viagem. O o¡sis, daquele dia em diante, seria um lugar vazio para ela. A partir daquele dia, o deserto ia ser mais importante. Iria olhar para ele sempre, tentando saber qual estrela o rapaz estava seguindo em busca do tesouro. Haveria de mandar seus beijos pelo vento, na esperan§a de que ele tocasse o rosto do rapaz, e lhe contasse que estava viva, esperando por ele, como uma mulher espera um homem de coragem, que segue em busca de sonhos e tesouros. A partir daquele dia, o deserto ia ser apenas uma coisa: a esperan§a de sua volta. ­ N£o pense no que ficou para tr¡s ­ disse o Alquimista, quando come§aram a cavalgar pelas areias do deserto. ­ Tudo est¡ gravado na Alma do Mundo, e ali permanecer¡ para sempre. ­ Os homens sonham mais com a volta do que com a partida ­ disse o rapaz, que j¡ estava se acostumando de novo com o silªncio do deserto. ­ Se o que vocª encontrou © feito de mat©ria pura, jamais apodrecer¡. E vocª poder¡ voltar um dia. Se foi apenas um momento de luz, como a explos£o de uma estrela, ent£o n£o vai encontrar nada quando voltar. Mas ter¡ visto uma explos£o de luz. E sã isto j¡ valeu a pena. O homem falava em linguagem de alquimia. Mas o rapaz sabia que ele estava se referindo   F¡tima. Era dif­cil n£o pensar no que havia ficado para tr¡s. O deserto, com sua paisagem quase sempre igual, costumava encher-se de sonhos. O rapaz ainda via as tamareiras, os po§os, e o rosto da mulher amada. Via o Inglªs com seu laboratãrio, e o cameleiro que era um mestre e n£o sabia. "Talvez o Alquimista jamais tenha amado", pensou o rapaz. O Alquimista cavalgava na sua frente, com o falc£o nos ombros. O falc£o conhecia bem a linguagem do deserto, e quando paravam, ele sa­a do ombro do Alquimista e voava em busca de alimento. No primeiro dia trouxe uma lebre. No segundo dia trouxe dois p¡ssaros. De noite, estendiam seus cobertores e n£o acendiam fogueiras. As noites do deserto eram frias, e foram ficando escuras   medida que a lua come§ou a diminuir no c©u. Durante uma semana andaram em silªncio, conversando apenas sobre as precau§åes necess¡rias para evitar os combates entre os cl£s. A guerra continuava, e o vento  s vezes trazia o cheiro adocicado de sangue. Alguma batalha havia sido travada por perto, e o vento recordava ao rapaz que havia a Linguagem dos Sinais, sempre pronta para mostrar o que seus olhos n£o conseguiam ver. Quando completaram sete dias de viagem, o Alquimista resolveu acampar mais cedo do que de costume. O falc£o saiu em busca de ca§a, e ele tirou o cantil de ¡gua e ofereceu ao rapaz. ­ Vocª agora est¡ quase no final da viagem ­ disse o Alquimista. ­ Meus parab©ns por haver seguido sua Lenda Pessoal. ­ E vocª est¡ me guiando em silªncio ­ disse o rapaz. ­ Pensei que ia me ensinar aquilo que sabe. Faz algum tempo que estive no deserto com um homem que tinha livros de Alquimia. Mas n£o consegui aprender nada. ­ Sã existe uma maneira de aprender ­ respondeu o Alquimista ­ ‰ atrav©s da a§£o. Tudo que vocª precisava saber, a viagem lhe ensinou. Falta apenas uma coisa. O rapaz quis saber o que era, mas o Alquimista manteve os olhos fixos no horizonte, esperando pela volta do falc£o. ­ Por que o chamam de Alquimista? ­ Porque sou. ­ E o que havia de errado com os outros alquimistas, que buscaram ouro e n£o conseguiram? ­ Buscavam apenas ouro ­ respondeu seu companheiro. ­ Buscavam o tesouro de sua Lenda Pessoal, sem desejarem viver a prãpria Lenda. ­ O que me falta saber? ­ insistiu o rapaz. Mas o Alquimista continuou olhando o horizonte. Depois de algum tempo o falc£o retornou com a comida. Cavaram um buraco e acenderam a fogueira dentro dele, para que ningu©m pudesse ver a luz das chamas. ­ Sou um Alquimista porque sou um Alquimista ­ disse ele, enquanto preparavam a comida. ­ Aprendi a ciªncia de meus avãs, que aprenderam de seus avãs, e assim at© a cria§£o do mundo. Naquela ©poca, toda a ciªncia da Grande Obra podia ser escrita numa simples esmeralda. Mas os homens n£o deram import¢ncia  s coisas simples, e come§aram a escrever tratados, interpreta§åes, e estudos filosãficos. Come§aram tamb©m a dizer que sabiam melhor o caminho que os outros. "Mas a T¡boa da Esmeralda continua viva at© hoje". ­ O que estava escrito na T¡boa da Esmeralda? ­ quis saber o rapaz. O Alquimista come§ou a desenhar na areia, e n£o demorou mais do que cinco minutos. Enquanto ele desenhava, o rapaz lembrou-se do velho rei, e da pra§a onde haviam se encontrado um dia; parecia que tinham se passado muitos e muitos anos. ­ Isto estava escrito na T¡boa da Esmeralda ­ disse o Alquimista, quando acabou de escrever. O rapaz aproximou-se e leu as palavras na areia. ­ ‰ um cãdigo ­ disse o rapaz, um pouco decepcionado com a T¡boa da Esmeralda. ­ Parece com os livros do Inglªs. ­ N£o ­ respondeu o Alquimista. ­ ‰ como o väo dos gaviåes; n£o deve ser compreendida simplesmente pela raz£o. A T¡boa da Esmeralda © uma passagem direta para a Alma do Mundo. "Os s¡bios entenderam que este mundo natural © apenas uma imagem e uma cãpia do Para­so. A simples existªncia deste mundo © a garantia de que existe um mundo mais perfeito que ele. Deus o criou para que, atrav©s das coisas vis­veis, os homens pudessem compreender seus ensinamentos espirituais, e as maravilhas de sua sabedoria. Isto © que eu chamo de A§£o". ­ Devo entender a T¡boa da Esmeralda? ­ perguntou o rapaz. ­ "Talvez, se vocª estivesse num laboratãrio de Alquimia, agora seria o momento certo para estudar a melhor maneira de entender a T¡boa da Esmeralda. Entretanto, vocª est¡ no Deserto. Ent£o mergulhe no deserto. Ele serve para compreender o mundo tanto como qualquer outra coisa sobre a face da terra. Vocª nem precisa de entender o deserto: basta contemplar um simples gr£o de areia, e ver¡ nele todas as maravilhas da Cria§£o". ­ Como fa§o para mergulhar no deserto? ­ Escute seu cora§£o. Ele conhece todas as coisas, porque veio da Alma do Mundo, e um dia retornar¡ para ela. Andaram em silªncio mais dois dias. O Alquimista estava muito mais cauteloso, porque se aproximavam da zona de combates mais violentos. E o rapaz procurava escutar seu cora§£o. Era um cora§£o dif­cil; antes estava acostumado a partir sempre, e agora queria chegar a todo custo. €s vezes, seu cora§£o ficava muitas horas contando histãrias de saudades, outras vezes se emocionava com o nascer do sol no deserto, e fazia o rapaz chorar escondido. O cora§£o batia mais r¡pido quando falava para o rapaz sobre o tesouro e ficava mais vagaroso quando os olhos do rapaz se perdiam no horizonte sem fim do deserto. Mas nunca estava em silªncio, mesmo que o rapaz n£o trocasse uma palavra com o Alquimista. ­ Por que temos que escutar o cora§£o? ­ perguntou o rapaz quando acamparam aquele dia. ­ Porque, onde ele estiver, © onde estar¡ o seu tesouro. ­ Meu cora§£o © agitado ­ disse o rapaz. ­ Tem sonhos, se emociona, e est¡ apaixonado por uma mulher do deserto. Ele me pede coisas e n£o me deixa dormir muitas noites, quando penso nela. ­ ‰ bom. Seu cora§£o est¡ vivo. Continue a ouvir o que ele tem para dizer. Nos trªs dias seguintes os dois passaram por alguns guerreiros, e viram outros guerreiros no horizonte. O cora§£o do rapaz come§ou a falar sobre o medo. Contava para o rapaz histãrias que tinha ouvido da Alma do Mundo, histãrias de homens que foram em busca de seus tesouros e jamais o encontraram. €s vezes assustava o rapaz com o pensamento de que poderia n£o conseguir o tesouro, ou poderia morrer no deserto. Outras vezes dizia para o rapaz que j¡ estava satisfeito, que j¡ havia encontrado um amor e muitas moedas de ouro. ­ Meu cora§£o © trai§oeiro ­ disse o rapaz ao Alquimista, quando eles pararam para descansar um pouco os cavalos. ­ N£o quer que eu continue. ­ Isto © bom ­ respondeu o Alquimista. ­ Prova que seu cora§£o est¡ vivo. ‰ natural ter medo de trocar por um sonho tudo aquilo que j¡ se conseguiu. ­ Ent£o, para que devo escutar meu cora§£o? ­ Porque vocª n£o vai conseguir jamais mantª-lo calado. E mesmo que finja n£o escutar o que ele diz, ele estar¡ dentro do seu peito, repetindo sempre o que pensa sobre a vida e o mundo. ­ Mesmo que ele seja trai§oeiro? ­ A trai§£o © o golpe que vocª n£o espera. Se vocª conhecer bem seu cora§£o, ele jamais conseguir¡ isto. Porque vocª conhecer¡ seus sonhos e seus desejos, e saber¡ lidar com eles. "Ningu©m consegue fugir do seu cora§£o. Por isso © melhor escutar o que ele fala. Para que jamais venha um golpe que vocª n£o espera". O rapaz continuou a escutar seu cora§£o, enquanto caminhavam pelo deserto. Passou a conhecer suas artimanhas e seus truques, e passou a aceit¡-lo como era. Ent£o o rapaz deixou de ter medo, e deixou de ter vontade de voltar, porque certa tarde o seu cora§£o lhe disse que estava contente. "Mesmo que eu reclame um pouco", dizia seu cora§£o, "© porque sou um cora§£o de homem, e os cora§åes de homens s£o assim. Tªm medo de realizar seus maiores sonhos, porque acham que n£o o merecem, ou n£o v£o consegui-los. Nãs, os cora§åes, morremos de medo sã de pensar em amores que partiram para sempre, em momentos que poderiam ter sido bons e que n£o foram, em tesouros que poderiam ter sido descobertos e ficaram para sempre escondidos na areia. Porque quando isto acontece, terminamos sofrendo muito". ­ Meu cora§£o tem medo de sofrer ­ disse o rapaz para o Alquimista, uma noite em que olhavam o c©u sem lua. ­ Diga para ele que o medo de sofrer © pior do que o prãprio sofrimento. E que nenhum cora§£o jamais sofreu quando foi em busca de seus sonhos, porque cada momento de busca © um momento de encontro com Deus e com a Eternidade. "Cada momento de busca © um momento de encontro", disse o rapaz ao seu cora§£o. "Enquanto procurei meu tesouro, todos os dias foram dias luminosos, porque eu sabia que cada hora fazia parte do sonho de encontrar. Enquanto procurei este meu tesouro, descobri no caminho coisas que jamais teria sonhado encontrar, se n£o tivesse tido a coragem de tentar coisas imposs­veis aos pastores". Ent£o seu cora§£o ficou quieto por uma tarde inteira. De noite, o rapaz dormiu tranqìilo, e quando acordou, o seu cora§£o come§ou a lhe contar as coisas da Alma do Mundo. Disse que todo homem feliz era um homem que trazia Deus dentro de si. E que a felicidade poderia ser encontrada num simples gr£o de areia do deserto, como o Alquimista havia falado. Porque um gr£o de areia © um momento da Cria§£o, e o Universo demorou milhares de milhåes de anos para cri¡-lo. "Cada homem na face da Terra tem um tesouro que est¡ esperando por ele", disse seu cora§£o. Nãs, os cora§åes, costumamos falar pouco destes tesouros, porque os homens j¡ n£o querem mais encontr¡-los. Sã falamos dele para as crian§as. Depois deixamos que a vida encaminhe cada um em dire§£o ao seu destino. Mas, infelizmente, poucos seguem o caminho que lhes est¡ tra§ado, e que © o caminho da Lenda Pessoal, e da felicidade. Acham o mundo uma coisa amea§adora ­ e por causa disto o mundo se torna uma coisa amea§adora. "Ent£o nãs, os cora§åes, vamos falando cada vez mais baixo, mas n£o nos calamos nunca. E torcemos para que nossas palavras n£o sejam ouvidas: n£o queremos que os homens sofram porque n£o seguiram seus cora§åes". ­ Por que os cora§åes n£o contam aos homens que devem continuar seguindo seus sonhos? ­ perguntou o rapaz ao Alquimista. ­ Porque, neste caso, o cora§£o © o que sofre mais. E os cora§åes n£o gostam de sofrer. O rapaz entendeu seu cora§£o a partir daquele dia. Pediu que nunca mais o deixasse. Pediu que, quando estivesse longe de seus sonhos, o cora§£o apertasse no peito e desse o sinal de alarme. O rapaz jurou que sempre que escutasse este sinal, tamb©m o seguiria. Naquela noite conversou tudo com o Alquimista. E o Alquimista entendeu que o cora§£o do rapaz havia voltado para a Alma do Mundo . ­ O que fa§o agora? ­ perguntou o rapaz. ­ Siga em dire§£o  s Pir¢mides ­ disse o Alquimista. ­ E continue atento aos sinais. Seu cora§£o j¡ © capaz de lhe mostrar o tesouro. ­ Era isto que estava faltando saber? ­ N£o. ­ respondeu o Alquimista. ­ O que est¡ faltando saber © o seguinte: "Sempre antes de realizar um sonho, a Alma do Mundo resolve testar tudo aquilo que foi aprendido durante a caminhada. Ela faz isto n£o porque seja m¡, mas para que possamos, junto com o nosso sonho, conquistar tamb©m as li§åes que aprendemos seguindo em dire§£o a ele. ‰ o momento em que a maior parte das pessoas desiste. ‰ o que chamamos, em linguagem do deserto, de `morrer de sede quando as tamareiras j¡ apareceram no horizonte' ". "Uma busca come§a sempre com a Sorte de Principiante. E termina sempre com a Prova do Conquistador". O rapaz lembrou-se de um velho prov©rbio de sua terra. Dizia que a hora mais escura era a que vinha antes do sol nascer. No dia seguinte apareceu o primeiro sinal concreto de perigo. Trªs guerreiros se aproximaram e perguntaram o que os dois estavam fazendo por ali. ­ Vim ca§ar com o meu falc£o ­ respondeu o Alquimista. ­ Precisamos revist¡-los para ver se n£o levam armas ­ disse um dos guerreiros. O Alquimista desceu devagar de seu cavalo. O rapaz fez o mesmo. ­ Para quª tanto dinheiro? ­ perguntou o guerreiro, quando viu a bolsa do rapaz. ­ Para chegar ao Egito ­ disse ele. O guarda que estava revistando o Alquimista encontrou um pequeno frasco de cristal cheio de l­quido, e um ovo de vidro amarelado, pouco maior que o ovo de uma galinha. ­ Que s£o estas coisas? ­ perguntou o guarda. ­ ‰ a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. ‰ a grande obra dos Alquimistas. Quem tomar este elixir jamais ficar¡ doente, e uma lasca desta pedra transforma qualquer metal em ouro. Os guardas riram pra valer, e o Alquimista riu com eles. Tinham achado a resposta muito engra§ada, e os deixaram partir sem maiores contratempos, com todos os seus pertences. ­ Vocª est¡ louco? ­ perguntou o rapaz ao Alquimista, quando j¡ haviam se distanciado bastante. ­ Para que vocª fez isto? ­ Para mostrar a vocª uma simples lei do mundo ­ respondeu o Alquimista. ­ Quando temos os grandes tesouros diante de nãs, nunca percebemos. E sabe por quª? Porque os homens n£o acreditam em tesouros. Continuaram andando pelo deserto. A cada dia que passava, o cora§£o do rapaz ia ficando mais silencioso. J¡ n£o queria saber das coisas passadas ou das coisas futuras; contentava-se em contemplar tamb©m o deserto, e beber junto com o rapaz da Alma do Mundo. Ele e seu cora§£o tornaram-se grandes amigos ­ um passou a ser incapaz de trair o outro. Quando o cora§£o falava, era para dar est­mulo e for§a ao rapaz, que  s vezes achava terrivelmente ma§ante os dias de silªncio. O cora§£o contou-lhe pela primeira vez suas grandes qualidades: sua coragem ao abandonar as ovelhas, ao viver sua Lenda Pessoal, e seu entusiasmo na loja de cristais. Contou-lhe tamb©m mais uma coisa, que o rapaz nunca havia notado: os perigos que passaram perto e que ele nunca tinha percebido. Seu cora§£o disse que certa vez havia escondido a pistola que ele havia roubado do pai, pois havia uma grande chance de que se ferisse com ela. E lembrou um dia que o rapaz havia passado mal em pleno campo, vomitado, e depois dormido por muito tempo: haviam dois assaltantes mais adiante, que estavam planejando roubar suas ovelhas, e assassin¡-lo. Mas como o rapaz n£o aparecia, resolveram ir embora, achando que ele tinha mudado de rota. ­ Os cora§åes sempre ajudam os homens? ­ perguntou o rapaz ao Alquimista. ­ Sã os que vivem sua Lenda Pessoal. Mas ajudam muito as crian§as, os bªbados, e os velhos. ­ Quer dizer ent£o que n£o h¡ perigo? ­ Quer dizer apenas que os cora§åes se esfor§am ao m¡ximo ­ respondeu o Alquimista. Certa tarde passaram pelo acampamento de um dos cl£s. Haviam ¡rabes em vistosas roupas brancas, com armas ensilhadas em todos os cantos. Os homens fumavam narguil© e conversavam sobre os combates. Ningu©m prestou maior aten§£o aos dois viajantes. ­ N£o h¡ qualquer perigo ­ disse o rapaz, quando j¡ tinham se afastado um pouco do acampamento. O Alquimista ficou furioso. ­ Confie em seu cora§£o ­ disse, mas n£o se esque§a de que vocª est¡ no deserto. Quando os homens est£o em guerra, a Alma do Mundo tamb©m sente os gritos de combate. Ningu©m deixa de sofrer as conseqìªncias de cada coisa que se passa debaixo do sol. "Tudo © uma coisa ênica", pensou o rapaz. E como se o deserto quisesse mostrar que o velho Alquimista estava certo, dois cavaleiros surgiram por detr¡s dos viajantes. ­ N£o podem seguir adiante ­ disse um deles. ­ Vocªs est£o nas areias onde os combates s£o travados. ­ N£o vou muito longe ­ respondeu o Alquimista, olhando fundo nos olhos dos guerreiros. Eles ficaram quietos por alguns minutos, e depois concordaram com a viagem dos dois. O rapaz assistiu aquilo tudo fascinado. ­ Vocª dominou os guardas com o olhar ­ comentou ele. ­ Os olhos mostram a for§a da alma ­ respondeu o Alquimista. Era verdade, pensou o rapaz. Havia percebido que, no meio da multid£o de soldados no acampamento, um deles estava olhando fixo para os dois. E estava t£o distante, que n£o dava sequer para ver direito sua face. Mas o rapaz tinha certeza de que estava olhando para eles. Finalmente, quando come§aram a cruzar uma montanha que se estendia por todo o horizonte, o Alquimista disse que faltavam dois dias para chegarem at©  s Pir¢mides. ­ Se vamos nos separar logo ­ respondeu o rapaz ­ me ensine Alquimia. ­ Vocª j¡ sabe. ‰ penetrar na Alma do Mundo, e descobrir o tesouro que ela reservou para nãs. ­ N£o © isto que quero saber. Falo de transformar chumbo em ouro. O Alquimista respeitou o silªncio do deserto, e sã respondeu ao rapaz quando pararam para comer. ­ Tudo no Universo evolui ­ disse ele. ­ E para os s¡bios, o ouro © o metal mais evolu­do. N£o pergunte porquª; n£o sei. Sei apenas que a Tradi§£o est¡ sempre certa. "Os homens © que n£o interpretaram bem as palavras dos s¡bios. E ao inv©s de s­mbolo de evolu§£o, o ouro passou a ser o sinal das guerras. ­ As coisas falam muitas linguagens ­ disse o rapaz. ­ Vi quando o relincho de camelo era apenas um relincho, depois passou a ser sinal de perigo, e finalmente tornou- se de novo um relincho. Mas calou-se. O Alquimista devia saber tudo aquilo. ­ Conheci verdadeiros alquimistas ­ continuou. ­ Se trancavam no laboratãrio e tentavam evoluir como o ouro; descobriam a Pedra Filosofal. Porque haviam entendido que quando uma coisa evolui, evolui tamb©m tudo que est¡ a sua volta. "Outros conseguiram a pedra por acidente. J¡ tinham o dom, suas almas estavam mais despertas que a das outras pessoas. Mas estes n£o contam, porque s£o raros. "Outros, enfim, buscavam apenas o ouro. Estes jamais descobriram o segredo. Esqueceram-se de que o chumbo, o cobre, o ferro, tamb©m tªm sua Lenda Pessoal para cumprir. Quem interfere na Lenda Pessoal dos outros, nunca descobrir¡ a sua". As palavras do Alquimista soaram como uma maldi§£o. Ele abaixou-se e pegou uma concha no solo do deserto. ­ Isto um dia j¡ foi um mar ­ disse. ­ J¡ tinha reparado ­ respondeu o rapaz. O Alquimista pediu ao rapaz para colocar a concha no ouvido. Ele tinha feito isto muitas vezes quando era crian§a, e escutou o barulho do mar. ­ O mar continua dentro desta concha, porque © sua Lenda Pessoal. E jamais a abandonar¡, at© que o deserto se cubra novamente de ¡gua. Depois montaram em seus cavalos, e seguiram em dire§£o  s Pir¢mides do Egito. O sol tinha come§ado a descer quando o cora§£o do rapaz deu sinal de perigo. Estavam no meio de gigantescas dunas, e o rapaz olhou o Alquimista, mas este parecia n£o haver notado nada. Cinco minutos depois o rapaz percebeu dois cavaleiros a sua frente, as silhuetas cortadas contra o sol. Antes que pudesse falar com o Alquimista, os dois cavaleiros se transformaram em dez, depois em cem, at© que as gigantescas dunas ficaram cobertas deles. Eram guerreiros vestidos de azul, com uma tiara negra sobre o turbante. Os rostos estavam cobertos por outro v©u azul, deixando apenas os olhos de fora. Mesmo distante, os olhos mostravam a for§a de suas almas. E os olhos falavam em morte. Levaram os dois para um acampamento militar nas imedia§åes. Um soldado empurrou o rapaz e o Alquimista para dentro de uma tenda. Era uma tenda diferente das que havia conhecido no o¡sis; ali estava um comandante reunido com seu estado-maior. ­ S£o os espiåes ­ disse um dos homens. ­ Somos apenas viajantes ­ respondeu o Alquimista. ­ Vocªs foram vistos no acampamento inimigo h¡ trªs dias atr¡s. E conversaram com um dos guerreiros. ­ Sou um homem que caminha pelo deserto e conhece as estrelas ­ disse o Alquimista. N£o tenho informa§åes de tropas, ou o movimento dos cl£s. Apenas guiava meu amigo at© aqui. ­ Quem © seu amigo? perguntou o comandante. ­ Um Alquimista ­ disse o Alquimista. ­ Conhece os poderes da natureza. E deseja mostrar ao comandante sua capacidade extraordin¡ria. O rapaz ouvia em silªncio. E com medo. ­ O que faz um estrangeiro numa terra estrangeira? ­ disse outro homem. ­ Trouxe dinheiro para oferecer a seu cl£ ­ respondeu o Alquimista, antes que o rapaz dissesse qualquer palavra. E pegando a bolsa do rapaz, entregou as moedas de ouro ao general. O ¡rabe aceitou em silªncio. Dava para comprar muitas armas. ­ O que © um Alquimista? ­ perguntou, finalmente. ­ Um homem que conhece a natureza e o mundo. Se ele quisesse, destru­a este acampamento apenas com a for§a do vento. Os homens riram. Estavam acostumados com a for§a da guerra, e o vento n£o det©m um golpe mortal. Dentro do peito de cada um, por©m, seus cora§åes apertaram. Eram homens do deserto e tinham medo dos feiticeiros. ­ Quero ver ­ disse o general. ­ Precisamos de trªs dias ­ respondeu o Alquimista. ­ E ele vai se transformar em vento, apenas para mostrar a for§a de seu poder. Se n£o conseguir, nãs lhe oferecemos humildemente nossas vidas, pela honra de seu cl£. ­ N£o pode me oferecer o que j¡ © meu ­ disse, arrogante, o general. Mas concedeu os trªs dias aos viajantes. O rapaz estava paralisado de terror. Saiu da tenda porque o Alquimista lhe segurou os bra§os. ­ N£o deixe que eles percebam seu medo ­ disse o Alquimista. ­ S£o homens corajosos, e desprezam os covardes. O rapaz, por©m, estava sem voz. Sã conseguiu falar depois de algum tempo, enquanto caminhavam pelo meio do acampamento. N£o havia necessidade de pris£o: os ¡rabes apenas tiraram seus cavalos. E mais uma vez o mundo mostrou suas muitas linguagens: o deserto, antes um terreno livre e sem fim, era agora uma muralha intranspon­vel. ­ Vocª deu todo o meu tesouro! ­ disse o rapaz. ­ Tudo que eu ganhei em toda a minha vida! ­ E para que lhe adiantaria isto, se tivesse que morrer? ­ respondeu, o Alquimista. ­ Seu dinheiro o salvou por trªs dias. Poucas vezes o dinheiro serve para adiar a morte. Mas o rapaz estava apavorado demais para ouvir palavras s¡bias. N£o sabia como transformar-se em vento. N£o era um Alquimista. O Alquimista pediu ch¡ a um guerreiro, e colocou um pouco nos pulsos do rapaz. Uma onda de tranqìilidade encheu seu corpo, enquanto o Alquimista dizia algumas palavras que ele n£o conseguia compreender. ­ N£o se entregue ao desespero ­ disse o Alquimista, com uma voz estranhamente doce. ­ Isto faz com que vocª n£o consiga conversar com seu cora§£o. ­ Mas eu n£o sei transformar-me em vento. ­ Quem vive sua Lenda Pessoal, sabe tudo que precisa saber. Sã uma coisa torna um sonho imposs­vel: o medo de fracassar. ­ N£o tenho medo de fracassar. Apenas n£o sei transformar-me em vento. ­ Pois ter¡ que aprender. Sua vida depende disto. ­ E se eu n£o conseguir? ­ Vai morrer enquanto vivia sua Lenda Pessoal. ‰ muito melhor do que morrer como milhåes de pessoas, que jamais souberam que a Lenda Pessoal existia. "Entretanto, n£o se preocupe. Geralmente a morte faz com que as pessoas fiquem mais sens­veis   vida." O primeiro dia se passou. Houve uma grande batalha nas imedia§åes, e v¡rios feridos foram trazidos para o acampamento militar. "Nada muda com a morte", pensava o rapaz. Os guerreiros que morriam eram substitu­dos por outros, e a vida continuava. ­ Poderias ter morrido mais tarde, meu amigo ­ disse o guarda para o corpo de um companheiro seu. ­ Poderias ter morrido quando chegasse a paz. Mas irias terminar morrendo de qualquer jeito. No final do dia, o rapaz foi procurar o Alquimista. Estava levando o falc£o para o deserto. ­ N£o sei transformar-me em vento ­ repetiu o rapaz. ­ Lembre-se do que eu lhe disse: de que o mundo © apenas a parte vis­vel de Deus. De que a Alquimia © trazer para o plano material a perfei§£o espiritual. ­ O que vocª faz? ­ Alimento meu falc£o. ­ Se eu n£o conseguir transformar-me em vento, nãs vamos morrer ­ disse o rapaz. ­ Para que alimentar o falc£o? ­ Quem vai morrer © vocª ­ disse o Alquimista. ­ Eu sei transformar-me em vento. No segundo dia o rapaz foi para o alto de uma rocha que ficava perto do acampamento. As sentinelas o deixaram passar; j¡ ouviram falar do bruxo que se transformava em vento, e n£o queriam chegar perto dele. Al©m disso, o deserto era uma grande e intranspon­vel muralha. Ficou o resto da tarde do segundo dia olhando o deserto. Escutou seu cora§£o. E o deserto escutou seu medo. Ambos falavam a mesma l­ngua. No terceiro dia o general reuniu-se com os principais comandantes. ­ Vamos ver o garoto que se transforma em vento ­ disse o General ao Alquimista. ­ Vamos ver ­ respondeu o Alquimista. O rapaz os conduziu at© o lugar onde havia estado no dia anterior. Ent£o pediu que todos se sentassem. ­ Vai demorar um pouco ­ disse o rapaz. ­ N£o temos pressa ­ respondeu o General. ­ Somos homens do deserto. O rapaz come§ou a olhar o horizonte a sua frente. Haviam montanhas ao longe, haviam dunas, rochas e plantas rasteiras que insistiam em viver onde a sobrevivªncia era imposs­vel. Ali estava o deserto, que ele havia percorrido durante tantos meses, e que, mesmo assim, sã conhecia uma parte muito pequena. Nesta pequena parte ele havia encontrado ingleses, caravanas, guerras de cl£s, e um o¡sis com cinqìenta mil tamareiras e trezentos po§os. ­ O que vocª quer aqui hoje? ­ perguntou o deserto. ­ J¡ n£o nos contemplamos o suficiente ontem? ­ Em algum ponto vocª guarda a pessoa que eu amo ­ disse o rapaz. ­ Ent£o, quando olho suas areias contemplo tamb©m a ela. Quero voltar a ela e preciso de sua ajuda para transformar-me em vento. ­ O que © o amor? ­ perguntou o deserto. ­ O amor © quando o falc£o voa sobre suas areias. Porque para ele vocª © um campo verde, e ele nunca voltou sem ca§a. Ele conhece suas rochas, suas dunas, e suas montanhas, e vocª © generoso com ele. ­ O bico do falc£o tira peda§os de mim ­ disse o deserto. ­ Durante anos eu cultivo sua ca§a, alimento com a pouca ¡gua que tenho, mostro onde est¡ a comida. E um dia, desce o falc£o do c©u, justamente quando eu ia sentir o carinho da ca§a sobre minhas areias. Ele carrega aquilo que eu criei. ­ Mas foi para isto que vocª criou a ca§a ­ respondeu o rapaz. ­ Para alimentar o falc£o. E o falc£o alimentar¡ o homem. E o homem ent£o alimentar¡ um dia tuas areias, de onde a ca§a tornar¡ a surgir. Assim move-se o mundo. ­ ‰ isto o amor? ­ ‰ isto o amor. ‰ o que faz a ca§a transformar-se em falc£o, o falc£o em homem, e o homem de novo em deserto. ‰ isto que faz o chumbo transformar-se em ouro; e o ouro voltar a esconder-se sob a terra. ­ N£o entendo suas palavras ­ disse o deserto. ­ Ent£o entenda que em algum lugar de suas areias, uma mulher me espera. E para isto, tenho que transformar-me em vento. O deserto ficou em silªncio por alguns instantes. ­ Eu lhe dou minhas areias para que o vento possa soprar. Mas sozinho, n£o posso fazer nada. Pe§a ajuda ao vento. Uma pequena brisa come§ou a soprar. Os comandantes olhavam o rapaz ao longe, falando uma linguagem que eles n£o conheciam. O Alquimista sorria. O vento chegou perto do rapaz e tocou seu rosto. Havia escutado sua conversa com o deserto, porque os ventos sempre conhecem tudo. Percorriam o mundo sem um lugar onde nascer e sem um lugar onde morrer. ­ Me ajude ­ disse o rapaz ao vento. ­ Certo dia escutei em vocª a voz da minha amada. ­ Quem lhe ensinou a falar a linguagem do deserto e do vento? ­ Meu cora§£o ­ respondeu o rapaz. O vento tinha muitos nomes. Ali ele era chamado de siroco, porque os ¡rabes acreditavam que ele vinha das terras cobertas de ¡gua, onde habitavam homens negros. Na terra distante de onde vinha o rapaz, eles o chamavam de Levante, porque acreditavam que trazia as areias do deserto e os gritos de guerra dos mouros. Talvez num lugar mais distante dos campos de ovelhas, os homens pensassem que o vento nascia em Andaluzia. Mas o vento n£o vinha de lugar nenhum, e n£o ia para lugar nenhum, e por isso era mais forte que o deserto. Um dia eles poderiam plantar ¡rvores no deserto, e at© mesmo criar ovelhas, mas jamais iriam conseguir dominar o vento. ­ Vocª n£o pode ser o vento ­ disse o vento. ­ Somos de naturezas diferentes. ­ N£o © verdade ­ disse o rapaz. ­ Conheci os segredos da Alquimia, enquanto vagava o mundo com vocª. Tenho em mim os ventos, os desertos, os oceanos, as estrelas, e tudo que foi criado no Universo. Fomos feitos pela mesma M£o, e temos a mesma Alma. Quero ser como vocª, penetrar em todos os cantos, atravessar os mares, tirar a areia que cobre meu tesouro, trazer para perto a voz de minha amada. ­ Ouvi sua conversa com o Alquimista outro dia ­ disse o vento. ­ Ele falou que cada coisa tem sua Lenda Pessoal. As pessoas n£o podem se transformar em vento. ­ Me ensine a ser vento por alguns instantes, ­ disse o rapaz. ­ Para que possamos conversar sobre as possibilidades ilimitadas dos homens e dos ventos. O vento era curioso, e aquilo era uma coisa que ele n£o conhecia. Gostaria de conversar sobre aquele assunto, mas n£o sabia como transformar homens em vento. E olha que ele conhecia tanta coisa! Constru­a desertos, afundava navios, derrubava florestas inteiras, e passeava por cidades cheias de mêsica e de ru­dos estranhos. Achava que era ilimitado, e no entanto ali estava um rapaz dizendo que ainda havia mais coisas que um vento podia fazer. ­ ‰ isto que chamam de Amor ­ disse o rapaz, ao ver que o vento estava quase cedendo ao seu pedido. ­ Quando se ama © que se consegue ser qualquer coisa da Cria§£o. Quando se ama n£o temos necessidade nenhuma de entender o que acontece, porque tudo passa a acontecer dentro de nãs, e os homens podem se transformar em vento. Desde que os ventos ajudem, © claro. O vento era muito orgulhoso, e ficou irritado com o que o rapaz dizia. Come§ou a soprar com mais velocidade, levantando as areias do deserto. Mas finalmente teve que reconhecer que, mesmo havendo percorrido o mundo inteiro, n£o sabia como transformar homens em ventos. E n£o conhecia o Amor. ­ Enquanto passeava pelo mundo, notei que muitas pessoas falavam de amor olhando para o c©u ­ disse o vento, furioso por ter que aceitar suas limita§åes. ­ Talvez seja melhor perguntar ao c©u. ­ Ent£o me ajude ­ disse o rapaz. ­ Encha este lugar de poeira, para que eu possa olhar o sol sem ficar cego. O vento ent£o soprou com muita for§a, e o c©u ficou cheio de areia, deixando apenas um disco dourado no lugar do sol. No acampamento estava ficando dif­cil de enxergar. Os homens do deserto j¡ conheciam aquele vento. Chamava-se Simum, e era pior que uma tempestade no mar ­ porque eles n£o conheciam o mar. Os cavalos relinchavam, e as armas come§aram a ficar cobertas de areia. No rochedo, um dos comandantes virou-se para o general, e disse: ­ Talvez seja melhor pararmos com isto. Eles j¡ quase n£o podiam enxergar o rapaz. Os rostos estavam cobertos pelos len§os azuis, e os olhos agora significavam apenas espanto. ­ Vamos parar com isto ­ insistiu outro comandante. ­ Quero ver a grandeza de Allah ­ disse com respeito o general. Quero ver como os homens se transformam em vento. Mas anotou mentalmente o nome dos dois homens que haviam tido medo. Assim que o vento parasse, ia destitu­-los de seus comandos, porque os homens do deserto n£o sentem medo. O vento me disse que vocª conhece o Amor ­ disse o rapaz ao Sol. ­ Se vocª conhece o Amor, conhece tamb©m a Alma do Mundo, que © feita de Amor. ­ Daqui de onde estou ­ disse o sol ­ posso ver a Alma do Mundo. Ela se comunica com minha alma, e nãs, juntos, fazemos as plantas crescerem e as ovelhas caminharem em busca de sombra. Daqui de onde estou ­ e estou muito longe do mundo ­ aprendi a amar. Sei que, se eu me aproximar um pouco mais da Terra, tudo que est¡ nela morrer¡, e a Alma do Mundo deixar¡ de existir. Ent£o nos contemplamos e nos queremos, e eu lhe dou vida e calor, e ela me d¡ uma raz£o para viver. ­ Vocª conhece o Amor ­ disse o rapaz. ­ E conhe§o a Alma do Mundo, porque conversamos muito nesta viagem sem fim pelo Universo. Ela me fala que seu maior problema © que at© hoje, sã os minerais e os vegetais entenderam que tudo © uma coisa sã. E para isto, n£o precisa que o ferro seja igual ao cobre, e que o cobre seja igual ao ouro. Cada um cumpre sua fun§£o exata nesta coisa ênica, e tudo seria uma Sinfonia de Paz se a M£o que escreveu tudo isto tivesse parado no quinto dia da cria§£o. "Mas houve um sexto dia", disse o Sol. ­ Vocª © s¡bio porque vª tudo   dist¢ncia ­ respondeu o rapaz. ­ Mas n£o conhece o Amor. Se n£o houvesse um sexto dia da cria§£o, n£o haveria o homem, e o cobre seria sempre cobre, e o chumbo seria sempre chumbo. Cada um tem sua Lenda Pessoal, © verdade, mas um dia esta Lenda Pessoal ser¡ cumprida. Ent£o © preciso transformar-se em algo melhor, e ter uma nova Lenda Pessoal, at© que a Alma do Mundo seja realmente uma coisa sã. O sol ficou pensativo e resolveu brilhar mais forte. O vento, que estava gostando da conversa, soprou tamb©m mais forte, para que o sol n£o cegasse o rapaz. ­ Para isto existe a Alquimia ­ disse o rapaz. ­ Para que cada homem busque seu tesouro, e o encontre, e depois queira ser melhor do que foi na sua vida anterior. O chumbo cumprir¡ seu papel at© que o mundo n£o precise mais de chumbo; ent£o ele ter¡ que transformar-se em ouro. "Os Alquimistas fazem isto. Mostram que, quando buscamos ser melhores do que somos, tudo em volta se torna melhor tamb©m". ­ E por que vocª diz que eu n£o conhe§o o Amor? ­ perguntou o Sol. ­ Porque o amor n£o © estar parado como o deserto, nem correr o mundo como o vento, nem ver tudo de longe, como vocª. O Amor © a for§a que transforma e melhora a Alma do Mundo. Quando penetrei nela pela primeira vez, achei que fosse perfeita. Mas depois vi que ela era um reflexo de todas as criaturas, e tinha suas guerras e suas paixåes. Somos nãs que alimentamos a Alma do Mundo, e a terra onde vivemos ser¡ melhor ou pior, se formos melhores ou piores. A­ © que entra a for§a do Amor, porque quando amamos, sempre desejamos ser melhores do que somos. ­ O que vocª quer de mim? ­ perguntou o Sol. ­ Que me ajude a transformar-me em vento ­ respondeu o rapaz. ­ A Natureza me conhece como a mais s¡bia de todas as criaturas ­ disse o Sol. ­ Mas n£o sei como transform¡-lo em vento. ­ Com quem devo falar, ent£o? Por um momento o sol ficou quieto. O vento estava ouvindo, e ia espalhar por todo o mundo que sua sabedoria era limitada. Entretanto, n£o tinha jeito de fugir daquele rapaz, que falava a Linguagem do Mundo. ­ Converse com a M£o que escreveu tudo ­ disse o Sol. O vento gritou de contentamento, e soprou com mais for§a do que nunca. As tendas come§aram a ser arrancadas da areia, e os animais soltaram-se de suas r©deas. No rochedo, os homens se agarravam uns aos outros para n£o serem atirados longe. O rapaz se virou ent£o para a M£o que Tudo Havia Escrito. E ao inv©s de falar qualquer coisa, sentiu que o Universo ficava em silªncio, e ficou em silªncio tamb©m. Uma for§a de Amor jorrou de seu cora§£o, e o rapaz come§o