ðÁÂÌÏ ëÏÜÌØÏ. áÌÈÉÍÉË (port) Paulo Coelho. O Alquimista --------------------------------------------------------------- © Copyright Paulo Coelho Paulo Coelho's Home page ¡ http://www.paulocoelho.com.br/ Origin: http://www.cyberminas.com.br ¡ http://www.cyberminas.com.br Date: 14 Aug 2003 --------------------------------------------------------------- EdiÚÇo especial da pÂgina www.paulocoelho.com.br , venda proibida PREFâCIO ê importante dizer alguma coisa sobre o fato de O Alquimista ser um livro simbÕlico, diferente de O DiÂrio de um Mago, que foi um trabalho de nÇo-ficÚÇo. Durante onze anos de minha vida estudei Alquimia. A simples idÊia de transformar metais em ouro, ou de descobrir o Elixir da Longa Vida, j era fascinante demais para passar despercebida a qualquer iniciante em Magia. Confesso que o Elixir da Longa Vida me seduzia mais: antes de entender e sentir a presenÚa de Deus, a idÊia de que tudo ia acabar um dia era desesperadora. De maneira que, ao saber da possibilidade de conseguir um lÎquido capaz de prolongar por muitos anos minha existËncia, resolvi dedicar- me de corpo e alma Á sua fabricaÚÇo. Era uma Êpoca de grandes transformaÚÈes sociais ­ o comeÚo dos anos setenta ­ e nÇo havia ainda publicaÚÈes sÊrias a respeito de Alquimia. Comecei, como um dos personagens do livro, a gastar o pouco dinheiro que tinha na compra de livros importados, e dedicava muitas horas do meu dia ao estudo da sua simbologia complicada. Procurei duas ou trËs pessoas no Rio de Janeiro que se dedicavam seriamente Á Grande Obra, e elas se recusaram a me receber. Conheci tambÊm muitas outras pessoas que se diziam alquimistas, possuÎam seus laboratÕrios, e prometiam me ensinar os segredos da Arte em troca de verdadeiras fortunas; hoje entendo que elas nada sabiam daquilo que pretendiam ensinar. Mesmo com toda a minha dedicaÚÇo, os resultados eram absolutamente nulos. NÇo acontecia nada do que os manuais de Alquimia afirmavam em sua complicada linguagem. Era um sem-fim de sÎmbolos, de dragÈes, leÈes, sÕis, luas e mercßrios, e eu sempre tinha a impressÇo de estar no caminho errado, porque a linguagem simbÕlica permite uma gigantesca margem de equÎvocos. Em 1973, j desesperado com a ausËncia de progresso, cometi uma suprema irresponsabilidade. Nesta Êpoca eu era contratado pela Secretaria de EducaÚÇo de Mato Grosso para dar aulas de teatro naquele estado, e resolvi utilizar meus alunos em laboratÕrios teatrais que tinham como tema a TÂboa da Esmeralda. Esta atitude, aliada a algumas incursÈes minhas nas Âreas pantanosas da Magia, fizeram com que no ano seguinte eu pudesse experimentar na prÕpria carne a verdade do provÊrbio: "Aqui se faz, aqui se paga". Tudo a minha volta ruiu por completo. Passei os prÕximos seis anos de minha vida numa atitude bastante cÊtica com relaÚÇo a tudo que dissesse respeito Á Ârea mÎstica. Neste exÎlio espiritual, aprendi muitas coisas importantes: que sÕ aceitamos uma verdade quando primeira a negamos do fundo da alma, que nÇo devemos fugir de nosso prÕprio destino, e que a mÇo de Deus Ê infinitamente generosa, apesar de Seu rigor. Em 1981, conheci RAM e o meu Mestre, que iria conduzir-me de volta ao caminho que est traÚado para mim. E enquanto ele me treinava em seus ensinamentos, voltei a estudar Alquimia por minha prÕpria conta. Certa noite, enquanto conversÂvamos depois de uma exaustiva sessÇo de telepatia, perguntei porque a linguagem dos alquimistas era tÇo vaga e tÇo complicada. ­ Existem trËs tipos de alquimistas ­ disse meu Mestre. ­ Aqueles que sÇo vagos porque nÇo sabem o que estÇo falando; aqueles que sÇo vagos porque sabem o que estÇo falando, mas sabem tambÊm que a linguagem da Alquimia Ê uma linguagem dirigida ao coraÚÇo, e nÇo Á razÇo. ­ E qual o terceiro tipo? ­ perguntei. ­ Aqueles que jamais ouviram falar em Alquimia, mas que conseguiram, atravÊs de suas vidas, descobrir a Pedra Filosofal. E com isto, meu Mestre ­ que pertencia ao segundo tipo ­ resolveu me dar aulas de Alquimia. Descobri que a linguagem simbÕlica, que tanto me irritava e me desnorteava, era a ßnica maneira de se atingir a Alma do Mundo, ou o que Jung chamou de "inconsciente coletivo". Descobri a Lenda Pessoal, e os Sinais de Deus, verdades que meu raciocÎnio intelectual se recusava a aceitar por causa de sua simplicidade. Descobri que atingir a Grande Obra nÇo Ê tarefa de poucos, mas de todos os seres humanos sobre a face da Terra. ê claro que nem sempre a Grande Obra vem sob a forma de um ovo e de um frasco com lÎquido, mas todos nÕs podemos ­ sem qualquer sombra de dßvida ­ mergulhar na Alma do Mundo. Por isso, "O Alquimista" Ê tambÊm um texto simbÕlico. No decorrer de suas pÂginas, alÊm de transmitir tudo o que aprendi a respeito, procuro homenagear grandes escritores que conseguiram atingir a Linguagem Universal: Hemingway, Blake, Borges (que tambÊm utilizou a histÕria persa para um de seus contos), Malba Tahan, entre outros. Para completar este extenso prefÂcio, e ilustrar o que meu Mestre queria dizer com o terceiro tipo de alquimistas, vale a pena recordar uma histÕria que ele mesmo me contou no seu laboratÕrio. Nossa Senhora, com o Menino Jesus em seus braÚos, resolveu descer Á Terra e visitar um mosteiro. Orgulhosos, todos os padres fizeram uma grande fila, e cada um chegava diante da Virgem para prestar sua homenagem. Um declamou belos poemas, outro mostrou suas iluminuras para a BÎblia, um terceiro disse o nome de todos os santos. E assim por diante, monge apÕs monge, homenageou Nossa Senhora e o Menino Jesus. No ßltimo lugar da fila, havia um padre, o mais humilde do convento, que nunca havia aprendido os sÂbios textos da Êpoca. Seus pais eram pessoas simples, que trabalhavam num velho circo das redondezas, e tudo que lhe haviam ensinado era atirar bolas para cima e fazer alguns malabarismos. Quando chegou sua vez, os outros padres quiseram encerrar as homenagens, porque o antigo malabarista nÇo tinha nada de importante para dizer, e podia desmoralizar a imagem do convento. Entretanto, no fundo do seu coraÚÇo, tambÊm ele sentia uma imensa necessidade de dar alguma coisa de si para Jesus e a Virgem. Envergonhado, sentindo o olhar reprovador de seus irmÇos, ele tirou algumas laranjas do bolso e comeÚou a jogÂ-las para cima, fazendo malabarismos, que era a ßnica coisa que sabia fazer. Foi sÕ neste instante que o Menino Jesus sorriu, e comeÚou a bater palmas no colo de Nossa Senhora. E foi para ele que a Virgem estendeu os braÚos, deixando que segurasse um pouco o menino. O AUTOR Para J. Alquimista que conhece e utiliza os segredos da Grande Obra. Indo eles pelo caminho, entraram em um certo povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmÇ, chamada Maria, que sentou-se aos pÊs do Senhor, e ficou ouvindo seus ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para o outro, ocupada em muitos serviÚos. EntÇo aproximou-se de Jesus e disse: ­ Senhor! NÇo te importas de que eu fique a servir sozinha? Ordena a minha irmÇ que venha ajudar-me! Respondeu-lhe o Senhor: ­ Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. "Maria, entretanto, escolheu a melhor parte, e esta nÇo lhe ser tirada." LUCAS, 10; 38-42 PRõLOGO O Alquimista pegou um livro que alguÊm na caravana havia trazido. O volume estava sem capa, mas conseguiu identificar seu autor: Oscar Wilde. Enquanto folheava suas pÂginas, encontrou uma histÕria sobre Narciso. O Alquimista conhecia a lenda de Narciso, um belo rapaz que todos os dias ia contemplar sua prÕpria beleza num lago. Era tÇo fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro do lago e morreu afogado. No lugar onde caiu, nasceu uma flor, que chamaram de narciso. Mas nÇo era assim que Oscar Wilde acabava a histÕria. Ele dizia que quando Narciso morreu, vieram as OrÊiades ­ deusas do bosque ­ e viram o lago transformado, de um lago de Âgua doce, num c×ntaro de lÂgrimas salgadas. ­ Por que vocË chora? ­ perguntaram as OrÊiades. ­ Choro por Narciso ­ disse o lago ­ Ah, nÇo nos espanta que vocË chore por Narciso ­ continuaram elas. ­ Afinal de contas, apesar de todas nÕs sempre corrermos atrÂs dele pelo bosque, vocË era o ßnico que tinha a oportunidade de contemplar de perto sua beleza. ­ Mas Narciso era belo? ­ perguntou o lago. ­ Quem mais do que vocË poderia saber disso? ­ responderam, surpresas, as OrÊiades. ­ Afinal de contas, era em suas margens que ele se debruÚava todos os dias. O lago ficou algum tempo quieto. Por fim, disse: ­ Eu choro por Narciso, mas jamais havia percebido que Narciso era belo. "Choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos, minha prÕpria beleza refletida". "Que bela histÕria", disse o Alquimista. O rapaz chamava-se Santiago. Estava comeÚando a escurecer quando chegou com seu rebanho diante de uma velha igreja abandonada. O teto tinha despencado h muito tempo, e um enorme sicÆmoro havia crescido no local que antes abrigava a sacristia. Resolveu passar a noite ali. Fez com que todas as ovelhas entrassem pela porta em ruÎnas, e entÇo colocou algumas tÂbuas de modo que elas nÇo pudessem fugir durante a noite. NÇo haviam lobos naquela regiÇo, mas certa vez um animal havia escapado durante a noite, e ele gastara todo o dia seguinte procurando a ovelha desgarrada. Forrou o chÇo com seu casaco e deitou-se, usando o livro que acabara de ler como travesseiro. Lembrou-se, antes de dormir, que precisava comeÚar a ler livros mais grossos: demoravam mais para acabar e eram travesseiros mais confortÂveis durante a noite. Ainda estava escuro quando acordou. Olhou para cima, e viu que as estrelas brilhavam atravÊs do teto semidestruÎdo. "Queria dormir um pouco mais", pensou ele. Tivera o mesmo sonho da semana passada, e outra vez acordara antes do final. Levantou-se e tomou um gole de vinho. Depois pegou o cajado e comeÚou a acordar as ovelhas que ainda dormiam. Ele havia reparado que, assim que acordava, a maior parte dos animais tambÊm comeÚava a despertar. Como se houvesse alguma misteriosa energia unindo sua vida Á vida daquelas ovelhas que h dois anos percorriam com ele a terra, em busca de Âgua e alimento. "Elas j se acostumaram tanto a mim que conhecem meus horÂrios", disse em voz baixa. Refletiu um momento, e pensou que podia ser tambÊm o contrÂrio: ele que havia se acostumado ao horÂrio das ovelhas. Haviam certas ovelhas, porÊm, que demoravam um pouco mais para levantar. O rapaz acordou uma a uma com seu cajado, chamando cada qual pelo seu nome. Sempre acreditara que as ovelhas eram capazes de entender o que ele falava. Por isso costumava Ás vezes ler para elas os trechos de livros que o haviam impressionado, ou falar da solidÇo e da alegria de um pastor no campo, ou comentar sobre as ßltimas novidades que via nas cidades por onde costumava passar. Nos ßltimos dois dias, porÊm, seu assunto tinha sido praticamente um sÕ: a menina, filha do comerciante, que morava na cidade por onde ia chegar daqui a quatro dias. Tinha estado apenas uma vez lÂ, no ano anterior. O comerciante era dono de uma loja de tecidos, e gostava sempre de ver as ovelhas tosquiadas na sua frente, para evitar falsificaÚÈes. Um certo amigo tinha indicado a loja, e o pastor levou l suas ovelhas. "Preciso vender alguma lÇ", disse para o comerciante. A loja do homem estava cheia, e o comerciante pediu que o pastor esperasse atÊ o entardecer. Ele sentou-se na calÚada da loja e tirou um livro do alforje. ­ NÇo sabia que os pastores sÇo capazes de ler livros ­ disse uma voz feminina ao seu lado. Era uma moÚa tÎpica da regiÇo de Andaluzia, com seus cabelos negros escorridos, e os olhos que lembravam vagamente os antigos conquistadores mouros. ­ ê porque as ovelhas ensinam mais que os livros ­ respondeu o rapaz. Ficaram conversando por mais de duas horas. Ela contou que era filha do comerciante, e falou da vida na aldeia, onde cada dia era igual ao outro. O pastor contou dos campos de Andaluzia, das ßltimas novidades que viu nas cidades onde visitara. Estava contente por nÇo precisar conversar sempre com as ovelhas. ­ Como aprendeu a ler? ­ perguntou a moÚa a certa altura. ­ Como todas as outras pessoas ­ respondeu o rapaz. ­ Na escola. ­ E, se sabe ler, entÇo por que Ê apenas um pastor? O rapaz deu uma desculpa qualquer para nÇo responder aquela pergunta. Ele tinha certeza de que a moÚa jamais entenderia. Continuou a contar suas histÕrias de viagem, e os pequenos olhos mouros abriam-se e fechavam-se de espanto e surpresa. á medida que o tempo foi passando, o rapaz comeÚou a desejar que aquele dia nÇo acabasse nunca, que o pai da moÚa ficasse ocupado por muito tempo e o mandasse esperar por trËs dias. Percebeu que estava sentindo uma coisa que nunca havia sentido antes: vontade de ficar morando numa mesma cidade para sempre. Com a menina de cabelos negros, os dias nunca seriam iguais. Mas o comerciante finalmente chegou e mandou que ele tosquiasse quatro ovelhas. Depois, pagou-lhe o que era devido, e pediu que voltasse no ano seguinte. Agora faltavam apenas quatro dias para chegar de novo Á mesma aldeia. Estava excitado e ao mesmo tempo inseguro: talvez a menina j tivesse esquecido. Por ali passavam muitos pastores para vender lÇ. ­ NÇo tem import×ncia ­ disse o rapaz para as suas ovelhas. ­ Eu tambÊm conheÚo outras meninas em outras cidades. Mas no fundo do seu coraÚÇo, ele sabia que tinha import×ncia. E que tanto os pastores, como os marinheiros, como os caixeiro-viajantes, sempre conheciam uma cidade onde havia alguÊm capaz de fazer com que esquecessem a alegria de viajar solto pelo mundo. O dia comeÚou a raiar e o pastor colocou as ovelhas seguindo em direÚÇo ao sol. "Elas nunca precisam tomar uma decisÇo", pensou ele. "Talvez por isso fiquem sempre juntos de mim". A ßnica necessidade que as ovelhas sentiam era de Âgua e de alimento. Enquanto o rapaz conhecesse os melhores pastos em Andaluzia, elas seriam sempre suas amigas. Mesmo que os dias fossem todos iguais, com longas horas se arrastando entre o nascer e o pÆr-do-sol; mesmo que elas jamais tivessem lido um sÕ livro em suas curtas vidas, e nÇo conhecessem a lÎngua dos homens que contavam as novidades nas aldeias. Elas estavam contentes com Âgua e alimento, e isto bastava. Em troca, ofereciam generosamente sua lÇ, sua companhia, e ­ de vez em quando ­ sua carne. "Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matar uma por uma, elas sÕ iam perceber depois que quase todo o rebanho tivesse sido exterminado", pensou o rapaz. "Porque confiam em mim, e se esqueceram de confiar nos seus prÕprios instintos. SÕ porque as conduzo ao alimento e Á comida". O rapaz comeÚou a estranhar seus prÕprios pensamentos. Talvez a igreja, com aquele sicÆmoro crescendo dentro, fosse mal-assombrada. Tinha feito com que sonhasse um mesmo sonho pela segunda vez, e estava lhe dando uma sensaÚÇo de raiva contra suas companheiras, sempre tÇo fiÊis. Bebeu um pouco de vinho que havia sobrado do jantar na noite anterior, e apertou contra o corpo o seu casaco. Ele sabia que daqui a algumas horas, com o sol a pino, o calor seria tÇo forte que nÇo ia poder conduzir as ovelhas pelo campo. Era a hora que toda a Espanha dormia no verÇo. O calor durava atÊ a noite, e durante todo este tempo ele tinha que ficar carregando o casaco. Entretanto, quando pensava em reclamar do peso, sempre lembrava que por causa dele nÇo havia sentido frio de manhÇ. "Temos que estar sempre preparados para as surpresas do tempo", pensava entÇo ele, e sentia-se grato pelo peso do casaco. O casaco tinha um motivo, e o rapaz tambÊm. Em dois anos pelas planÎcies de Andaluzia ele j sabia de cor todas as cidades da regiÇo, e esta era a grande razÇo de sua vida; viajar. Estava planejando explicar desta vez Á menina porque um simples pastor sabe ler: havia estado atÊ os dezesseis anos num seminÂrio. Seus pais queriam que ele fosse padre, e motivo de orgulho para uma simples famÎlia camponesa, que trabalhava apenas para comida e Âgua, como suas ovelhas. Estudou latim, espanhol, e teologia. Mas desde crianÚa sonhava em conhecer o mundo, e isto era muito mais importante do que conhecer Deus ou os pecados dos homens. Certa tarde, ao visitar a famÎlia, havia tomado coragem e dito para seu pai que nÇo queria ser padre. Queria viajar. ­ Homens de todo o mundo j passaram por esta aldeia, filho ­ disse o pai. ­ VËm em busca de coisas novas, mas continuam as mesmas pessoas. VÇo atÊ o morro conhecer o castelo e acham que o passado era melhor que o presente. TËm cabelos louros ou pele escura, mas sÇo iguais aos homens de nossa aldeia. ­ Mas nÇo conheÚo os castelos das terras de onde eles vËm ­ retrucou o rapaz. ­ Estes homens, quando conhecem nossos campos e nossas mulheres, dizem que gostariam de viver para sempre aqui ­ continuou o pai. ­ Quero conhecer as mulheres e as terras de onde eles vieram ­ disse o rapaz. ­ Porque eles nunca ficam por aqui. ­ Os homens trazem a bolsa cheia de dinheiro ­ disse mais uma vez o pai. ­ Entre nÕs, sÕ os pastores viajam. ­ EntÇo serei pastor. O pai nÇo disse mais nada. No dia seguinte deu-lhe uma bolsa com trËs antigas moedas de ouro espanholas. ­ Achei certo dia no campo. Iam ser da Igreja, como seu dote. Compre seu rebanho e corra o mundo atÊ aprender que nosso castelo Ê o mais importante, e nossas mulheres sÇo as mais belas. E o abenÚoou. Nos olhos do pai ele leu tambÊm a vontade de correr o mundo. Uma vontade que ainda vivia, apesar das dezenas de anos que ele a tentou sepultar com Âgua, comida, e o mesmo lugar para dormir toda noite. O horizonte se tingiu de vermelho, e depois apareceu o sol. O rapaz lembrou-se da conversa com o pai e sentiu-se alegre; tinha j conhecido muitos castelos e muitas mulheres (mas nenhuma igual Áquela que o esperava em dois dias). Tinha um casaco, um livro que podia trocar por outro, e um rebanho de ovelhas. O mais importante, entretanto, Ê que todo dia realizava o grande sonho de sua vida; viajar. Quando cansasse dos campos de Andaluzia, podia vender suas ovelhas e tornar-se marinheiro. Quando cansasse do mar, teria conhecido muitas cidades, muitas mulheres, muitas oportunidades de ser feliz. "NÇo sei como buscam Deus no seminÂrio", pensou, enquanto olhava o sol que nascia. Sempre que possÎvel, buscava um caminho diferente para andar. Nunca havia estado naquela igreja antes, apesar de haver passado tantas vezes por ali. O mundo era grande e inesgotÂvel, e se ele deixasse que as ovelhas o guiassem apenas um pouquinho, ia terminar descobrindo mais coisas interessantes. "O problema Ê que elas nÇo se dÇo conta de que estÇo fazendo caminhos novos cada dia. NÇo percebem que os pastos mudaram, que as estaÚÈes sÇo diferentes ­ porque estÇo apenas ocupadas com Âgua e comida." "Talvez seja assim com todos nÕs" ­ pensou o pastor. "Mesmo comigo, que nÇo penso em outras mulheres desde que conheci a filha do comerciante". Olhou o cÊu, e pelos seus cÂlculos estaria antes do almoÚo em Tarifa. L poderia trocar seu livro por um volume mais grosso, encher a garrafa de vinho, e fazer a barba e o cabelo; tinha que estar pronto para encontrar a menina, e nÇo queria pensar na possibilidade de outro pastor ter chegado antes dele, com mais ovelhas, para pedir sua mÇo. "ê justamente a possibilidade de realizar um sonho que torna a vida interessante", refletiu enquanto olhava novamente o cÊu e apressava o passo. Tinha acabado de se lembrar que em Tarifa morava uma velha capaz de interpretar sonhos. E ele tinha tido um sonho repetido aquela noite. A velha conduziu o rapaz atÊ um quarto no fundo da casa, separado da sala por uma cortina feita de tiras de plÂstico colorido. L dentro tinha uma mesa, uma imagem do Sagrado CoraÚÇo de Jesus, e duas cadeiras. A velha sentou-se e pediu que ele fizesse o mesmo. Depois segurou as duas mÇos do rapaz e rezou baixo. Parecia uma reza cigana. O rapaz j havia encontrado muitos ciganos pelo caminho; eles viajavam e entretanto nÇo cuidavam de ovelhas. As pessoas diziam que a vida de um cigano era sempre enganar aos outros. Diziam tambÊm que eles tinham pacto com demÆnios, e que raptavam crianÚas para servirem de escravas em seus misteriosos acampamentos. Quando era pequeno, o rapaz sempre tinha morrido de medo de ser raptado pelos ciganos, e este temor antigo voltou enquanto a velha segurava suas mÇos. "Mas existe a imagem do Sagrado CoraÚÇo de Jesus", pensou ele, procurando ficar mais calmo. NÇo queria que sua mÇo comeÚasse a tremer e a velha percebesse seu medo . Rezou um pai-nosso em silËncio. ­ Que interessante ­ disse a velha, sem tirar os olhos da mÇo do rapaz. E voltou a ficar quieta. O rapaz estava ficando nervoso. Suas mÇos comeÚaram involuntariamente a tremer, e a velha percebeu. Ele puxou as mÇos rapidamente. ­ NÇo vim aqui para ler as mÇos ­ disse, j arrependido de ter entrado naquela casa. Pensou por um momento que era melhor pagar a consulta e ir-se embora sem saber de nada. Estava dando import×ncia demais a um sonho repetido. ­ VocË veio saber de sonhos ­ respondeu a velha. ­ E os sonhos sÇo a linguagem de Deus. Quando ele fala a linguagem do mundo, eu posso interpretar. Mas se ele falar a linguagem de sua alma, sÕ vocË pode entender. E vou cobrar a consulta de qualquer maneira. Mais um truque, pensou o rapaz. Entretanto, resolveu arriscar. Um pastor corre sempre o risco dos lobos ou da seca, e isto Ê que faz a profissÇo de pastor mais excitante. ­ Tive o mesmo sonho duas vezes seguidas ­ disse. ­ Sonhei que estava num pasto com minhas ovelhas quando aparecia uma crianÚa, e comeÚava a brincar com os animais. NÇo gosto que mexam nas minhas ovelhas, elas ficam com medo de estranhos. Mas as crianÚas sempre conseguem mexer com os animais sem que eles se assustem. NÇo sei porquË. NÇo sei como os animais sabem a idade dos seres humanos. ­ Volte para seu sonho ­ disse a velha. ­ Tenho uma panela no fogo. AlÊm disso vocË tem pouco dinheiro e nÇo pode tomar todo o meu tempo. ­ A crianÚa continuava a brincar com as ovelhas por algum tempo ­ continuou o rapaz, um pouco constrangido. ­ E de repente, me pegava pelas mÇos e me levava atÊ as Pir×mides do Egito. O rapaz esperou um pouco para ver se a velha sabia o que eram as Pir×mides do Egito. Mas a velha continuou quieta. ­ EntÇo, nas Pir×mides do Egito, ­ ele falou as trËs ßltimas palavras lentamente, para que a velha pudesse entender bem ­ a crianÚa me dizia: "se vocË vier atÊ aqui, vai encontrar um tesouro escondido". E quando ela foi me mostrar o local exato, eu acordei. Nas duas vezes. A velha continuou em silËncio por algum tempo. Depois tornou a pegar as mÇos do rapaz e estudÂ-las atentamente. ­ NÇo vou lhe cobrar nada agora ­ disse a velha. Mas quero um dÊcimo do tesouro, se vocË encontrÂ-lo. O rapaz riu. De felicidade. EntÇo iria economizar o pouco dinheiro que tinha, por causa de um sonho que falava em tesouros escondidos! A velha devia ser mesmo uma cigana ­ os ciganos sÇo burros. ­ EntÇo interprete o sonho ­ pediu o rapaz. ­ Antes jure. Jure que vocË vai me dar a dÊcima parte do seu tesouro em troca do que eu lhe disser. O rapaz jurou. A velha pediu para que ele repetisse o juramento olhando para a imagem do Sagrado CoraÚÇo de Jesus. ­ ê um sonho da Linguagem do Mundo ­ disse ela. ­ Posso interpretÂ-lo, e Ê uma interpretaÚÇo muito difÎcil. Por isso acho que mereÚo minha parte no seu achado. "E a interpretaÚÇo Ê esta: vocË deve ir atÊ as Pir×mides do Egito. Nunca ouvi falar delas, mas se foi uma crianÚa que lhe mostrou, Ê porque existem. L vocË encontrar um tesouro que lhe far rico". O rapaz ficou surpreso, e depois irritado. NÇo precisava ter procurado a velha para isto. Finalmente lembrou-se de que nÇo estava pagando nada. ­ Para isto eu nÇo precisava perder meu tempo ­ disse. ­ Por isso lhe falei que seu sonho era difÎcil. As coisas simples sÇo as mais extraordinÂrias, e sÕ os sÂbios conseguem vË-las. J que nÇo sou uma sÂbia, tenho que conhecer outras artes, como a leitura de mÇos. ­ E como eu vou chegar atÊ o Egito? ­ Eu sÕ interpreto sonhos. NÇo sei transformÂ-los em realidade. Por isso tenho que viver do que minhas filhas me dÇo. ­ E se eu nÇo chegar atÊ o Egito? ­ Eu fico sem pagamento. NÇo ser a primeira vez. E a velha nÇo disse mais nada. Pediu para que o rapaz saÎsse, pois j tinha perdido muito tempo com ele. O rapaz saiu decepcionado e decidido a nunca mais acreditar em sonhos. Lembrou-se de que tinha vÂrias providËncias a tomar: foi ao armazÊm arranjar alguma comida, trocou seu livro por um livro mais grosso, e sentou-se num banco da praÚa para saborear o vinho novo que havia comprado. Era um dia quente, e o vinho, por um destes mistÊrios insondÂveis, conseguia resfriar um pouco seu corpo. As ovelhas estavam na entrada da cidade, no estÂbulo de um novo amigo seu. Conhecia muita gente por aquelas bandas ­ e por isso gostava de viajar. A gente sempre acaba fazendo amigos novos, e nÇo precisa ficar com eles dia apÕs dia. Quando a gente vË sempre as mesmas pessoas ­ e isto acontecia no seminÂrio ­ terminamos fazendo com que elas passem a fazer parte de nossas vidas. E como elas fazem parte de nossas vidas, passam tambÊm a querer modificar nossas vidas. Se a gente nÇo for como elas esperam ficar, chateadas. Porque todas as pessoas tem a noÚÇo exata de como devemos viver nossa vida. E nunca tËm noÚÇo de como devem viver as suas prÕprias vidas. Como a mulher dos sonhos, que nÇo sabia transformÂ-los em realidade. Resolveu esperar o sol descer um pouco, antes de seguir com suas ovelhas em direÚÇo ao campo. Daqui a trËs dias iria estar com a filha do comerciante. ComeÚou a ler o livro que tinha conseguido com o padre de Tarifa. Era um livro grosso, que falava de um enterro logo na primeira pÂgina. AlÊm disso, o nome dos personagens eram complicadÎssimos. Se algum dia escrevesse um livro, pensou ele, ia colocar um personagem aparecendo de cada vez, para que os leitores nÇo tivessem que ficar decorando nomes. Quando conseguiu concentrar-se um pouco na leitura, ­ e era boa, porque falava de um enterro na neve, o que lhe transmitia uma sensaÚÇo de frio debaixo daquele imenso sol ­ um velho sentou-se ao seu lado e comeÚou a puxar conversa. ­ O que eles estÇo fazendo? ­ perguntou o velho, apontando para as pessoas da praÚa. ­ Trabalhando ­ respondeu o rapaz, secamente, e voltou a fingir que estava concentrado na leitura. Na verdade, estava pensando em tosquiar as ovelhas na frente da filha do comerciante, para ela atestar como ele era capaz de fazer coisas interessantes. J havia imaginado esta cena uma porÚÇo de vezes; em todas elas, a menina ficava deslumbrada quando ele comeÚava a lhe explicar que as ovelhas devem ser tosquiadas de trÂs para frente. TambÊm tentava se lembrar de algumas boas histÕrias para contar a ela enquanto tosquiava as ovelhas. A maior parte ele tinha lido nos livros, mas iria contar como se tivesse vivido pessoalmente. Ela nunca ia saber a diferenÚa, porque nÇo sabia ler livros. O velho, entretanto, insistiu. Falou que estava cansado, com sede, e pediu um gole de vinho ao rapaz. O rapaz ofereceu sua garrafa; talvez o velho ficasse quieto. Mas o velho queria conversar de qualquer maneira. Perguntou que livro o rapaz estava lendo. Ele pensou em ser rude e mudar de banco, mas seu pai havia lhe ensinado o respeito pelos mais velhos. EntÇo estendeu o livro para o velho, por duas razÈes: a primeira Ê que nÇo sabia pronunciar o tÎtulo. E a segunda era que, se o velho nÇo soubesse ler, ia ele mesmo mudar de banco para nÇo sentir-se humilhado. ­ Humm... ­ disse o velho, olhando o volume por todos os lados, como se fosse um objeto estranho. ­ ê um livro importante, mas Ê muito chato. O rapaz ficou surpreso. O velho tambÊm lia, e j lera aquele livro. E se o livro era chato como ele dizia, ainda dava tempo de trocar por outro. ­ ê um livro que fala o que quase todos os livros falam ­ continuou o velho. ­ Da incapacidade que as pessoas tËm de escolher seu prÕprio destino. E termina fazendo com que todo mundo acredite na maior mentira do mundo. ­ Qual Ê a maior mentira do mundo? ­ indagou surpreso o rapaz. ­ ê esta: em determinado momento de nossa existËncia, perdemos o controle de nossas vidas, e ela passa a ser governada pelo destino. Esta Ê a maior mentira do mundo. ­ Comigo nÇo aconteceu isto ­ disse o rapaz. ­ Queriam que eu fosse padre, e eu resolvi ser pastor. ­ Assim Ê melhor ­ disse o velho. ­ Porque vocË gosta de viajar. "Ele adivinhou meu pensamento", refletiu o rapaz. O velho, entretanto, folheava o livro grosso, sem a menor intenÚÇo de devolvË-lo. O rapaz notou que ele vestia uma roupa estranha; parecia um Ârabe, o que nÇo era raro naquela regiÇo. A âfrica ficava a apenas algumas horas da Tarifa; e era sÕ cruzar o pequeno estreito num barco. Muitas vezes apareciam Ârabes na cidade, fazendo compras e rezando oraÚÈes estranhas vÂrias vezes por dia. ­ De onde Ê o senhor? ­ perguntou. ­ De muitas partes. ­ NinguÊm pode ser de muitas partes ­ o rapaz falou. ­ Eu sou um pastor e estou em muitas partes, mas sou de um ßnico lugar, de uma cidade perto de um castelo antigo. Ali foi onde nasci. ­ EntÇo podemos dizer que eu nasci em SalÊm. ­ O rapaz nÇo sabia onde era SalÊm, mas nÇo quis perguntar para nÇo sentir- se humilhado com a prÕpria ignor×ncia. Ficou mais algum tempo olhando a praÚa. As pessoas iam e vinham, e pareciam muito ocupadas. ­ Como est SalÊm? ­ perguntou o rapaz, procurando alguma pista. ­ Como sempre esteve. Ainda nÇo era uma pista. Mas sabia que SalÊm nÇo estava em Andaluzia. SenÇo, ele j a teria conhecido. ­ E o que vocË faz em SalÊm? ­ insistiu. ­ O que faÚo em SalÊm? ­ o velho pela primeira vez deu uma gostosa gargalhada. ­ Ora, eu sou o Rei de SalÊm! As pessoas dizem coisas muito estranhas, pensou o rapaz. ás vezes Ê melhor estar com as ovelhas, que sÇo caladas, e apenas procuram alimento e Âgua. Ou Ê melhor estar com os livros, que contam estÕrias incrÎveis sempre nas horas que a gente quer ouvir. Mas quando a gente fala com pessoas, elas dizem certas coisas e ficamos sem saber como continuar a conversa. ­ Meu nome Ê Melquisedec ­ disse o velho. ­ Quantas ovelhas vocË tem? ­ O suficiente ­ respondeu o rapaz. O velho estava querendo saber demais sobre sua vida. ­ EntÇo estamos diante de um problema. NÇo posso ajudÂ-lo enquanto vocË achar que tem ovelhas suficientes. O rapaz se irritou. NÇo estava pedindo ajuda. O velho Ê que tinha pedido vinho, conversa, e livro. ­ Me devolva o livro ­ disse. ­ Tenho que ir buscar minhas ovelhas e seguir adiante. ­ Me dË um dÊcimo de suas ovelhas ­ disse o velho. ­ E eu lhe ensino como chegar atÊ o tesouro escondido. O rapaz tornou entÇo a lembrar-se do sonho, e de repente tudo ficou claro. A velha nÇo tinha cobrado nada, mas o velho ­ que era talvez seu marido ­ ia conseguir arrancar muito mais dinheiro em troca de uma informaÚÇo que nÇo existia. O velho devia ser cigano tambÊm. Antes que o rapaz dissesse qualquer coisa, porÊm, o velho abaixou-se, pegou um graveto, e comeÚou a escrever na areia da praÚa. Quando ele se abaixou, alguma coisa brilhou dentro do seu peito, com tanta intensidade que quase cegou o rapaz. Mas num movimento rÂpido demais para alguÊm de sua idade, tornou a cobrir o brilho com o manto. Os olhos do rapaz voltaram ao normal e ele pode enxergar o que o velho estava escrevendo. Na areia da praÚa principal da pequena cidade, ele leu o nome do seu pai e de sua mÇe. Leu a histÕria de sua vida atÊ aquele momento, as brincadeiras de inf×ncia, as noites frias do seminÂrio. Leu o nome da filha do comerciante, que nÇo sabia. Leu coisas que jamais contara para alguÊm, como o dia em que roubou a arma do seu pai para matar veados, ou sua primeira e solitÂria experiËncia sexual. "Sou o Rei de SalÊm", dissera o velho. ­ Por que um rei conversa com um pastor? ­ perguntou o rapaz, envergonhado e admiradÎssimo. ­ Existem vÂrias razÈes. Mas vamos dizer que a mais importante Ê que vocË tem sido capaz de cumprir sua Lenda Pessoal. O rapaz nÇo sabia o que era Lenda Pessoal. ­ ê aquilo que vocË sempre desejou fazer. Todas as pessoas, no comeÚo da juventude, sabem qual Ê sua Lenda Pessoal. "Nesta altura da vida, tudo Ê claro, tudo Ê possÎvel, e elas nÇo tËm medo de sonhar e desejar tudo aquilo que gostariam de ver fazer em suas vidas. Entretanto, Á medida em que o tempo vai passando, uma misteriosa forÚa comeÚa a tentar provar que Ê impossÎvel realizar a Lenda Pessoal. O que o velho estava dizendo nÇo fazia muito sentido para o rapaz. Mas ele queria saber o que eram "forÚas misteriosas"; a filha do comerciante ia ficar boquiaberta com isto. ­ SÇo as forÚas que parecem ruins, mas na verdade estÇo ensinando a vocË como realizar sua Lenda Pessoal. EstÇo preparando seu espÎrito e sua vontade, porque existe uma grande verdade neste planeta: seja vocË quem for ou o que faÚa, quando quer com vontade alguma coisa, Ê porque este desejo nasceu na alma do Universo. ê sua missÇo na Terra. ­ Mesmo que seja apenas viajar? Ou casar com a filha de um comerciante de tecidos? ­ Ou buscar um tesouro. A Alma do Mundo Ê alimentada pela felicidade das pessoas. Ou pela infelicidade, inveja, cißme. Cumprir sua Lenda Pessoal Ê a ßnica obrigaÚÇo dos homens. Tudo Ê uma coisa sÕ. "E quando vocË quer alguma coisa, todo o Universo conspira para que vocË realize seu desejo". Durante algum tempo ficaram em silËncio, olhando a praÚa e as pessoas. Foi o velho quem falou primeiro. ­ Por que vocË cuida de ovelhas? ­ Porque gosto de viajar. Ele apontou um pipoqueiro, com sua carrocinha vermelha, que estava num canto da praÚa. ­ Aquele pipoqueiro tambÊm sempre desejou viajar, quando crianÚa. Mas preferiu comprar uma carrocinha de pipoca, juntar dinheiro durante anos. Quando estiver velho, vai passar um mËs na âfrica. Jamais entendeu que a gente sempre tem condiÚÈes para fazer o que sonha. ­ Devia ter escolhido ser um pastor ­ pensou em voz alta o rapaz. ­ Ele pensou nisto ­ disse o velho. ­ Mas os pipoqueiros sÇo mais importantes que os pastores. Os pipoqueiros tËm uma casa, enquanto os pastores dormem ao relento. As pessoas preferem casar suas filhas com pipoqueiros do que com pastores. O rapaz sentiu uma pontada no coraÚÇo, pensando na filha do comerciante. Em sua cidade devia haver um pipoqueiro. ­ Enfim, o que as pessoas pensam sobre pipoqueiros e sobre pastores passa a ser mais importante para elas que a Lenda Pessoal. O velho folheou o livro, e distraiu-se lendo uma pÂgina. O rapaz esperou um pouco, e o interrompeu da mesma maneira como ele o havia interrompido. ­ Por que vocË fala estas coisas comigo? ­ Porque vocË tenta viver sua Lenda Pessoal. E est a ponto de desistir dela. ­ E vocË aparece sempre nestas horas? ­ Nem sempre desta forma, mas jamais deixei de aparecer. ás vezes apareÚo sob a forma de uma boa saÎda, uma boa idÊia. Outras vezes, num momento crucial, faÚo as coisas ficarem mais fÂceis. E assim por diante; mas a maior parte das pessoas nÇo nota isto. O velho contou que na semana passada ele tinha sido forÚado a aparecer para um garimpeiro sob a forma de uma pedra. O garimpeiro tinha largado tudo para ir em busca de esmeraldas. Durante cinco anos trabalhou num rio, e tinha quebrado 999.999 pedras em busca de uma esmeralda. Neste ponto o garimpeiro pensou em desistir, e sÕ faltava uma pedra ­ apenas UMA PEDRA ­ para ele descobrir sua esmeralda. Como ele tinha sido um homem que havia apostado em sua Lenda Pessoal, o velho resolveu interferir. Transformou-se numa pedra que rolou sobre o pÊ do garimpeiro. Este, com a raiva e frustraÚÇo dos cinco anos perdidos, atirou a pedra longe. Mas atirou com tanta forÚa que ela bateu em outra pedra e esta se quebrou, mostrando a mais bela esmeralda do mundo. ­ As pessoas aprendem muito cedo sua razÇo de viver ­ disse o velho com uma certa amargura nos olhos. ­ Talvez seja por isso que elas desistem tÇo cedo tambÊm. Mas assim Ê o mundo. EntÇo o rapaz se lembrou que a conversa havia comeÚado com o tesouro escondido. ­ Os tesouros sÇo levantados da terra pela torrente de Âgua, e enterrados por estas mesmas enchentes ­ disse o velho. ­ Se vocË quiser saber sobre seu tesouro, ter que me ceder um dÊcimo de suas ovelhas. ­ E nÇo serve um dÊcimo do tesouro? O velho ficou decepcionado. ­ Se vocË sair prometendo o que ainda nÇo tem, vai perder sua vontade de consegui-lo. O rapaz entÇo contou que tinha prometido um dÊcimo Á cigana. ­ Os ciganos sÇo espertos ­ suspirou o velho. ­ De qualquer maneira Ê bom vocË aprender que tudo na vida tem um preÚo. ê isto que os Guerreiros da Luz tentam ensinar. O velho devolveu o livro ao rapaz. ­ AmanhÇ, nesta mesma hora, vocË me traz um dÊcimo de suas ovelhas. Eu lhe ensinarei como conseguir o tesouro escondido. Boa tarde. E sumiu numa das esquinas da praÚa. O rapaz tentou ler o livro, mas nÇo conseguiu concentrar-se mais. Estava agitado e tenso, porque sabia que o velho falava a verdade. Foi atÊ o pipoqueiro, comprou um saco de pipocas, enquanto pensava se devia ou nÇo contar a ele o que o velho dissera. "ás vezes Ê melhor deixar as coisas como estÇo", pensou o rapaz, e ficou quieto. Se dissesse algo, o pipoqueiro ia ficar trËs dias pensando em largar tudo, mas estava muito acostumado com sua carrocinha. Ele podia evitar este sofrimento ao pipoqueiro. ComeÚou a andar sem rumo pela cidade, e foi atÊ o porto. Havia um pequeno prÊdio, e no prÊdio havia uma janelinha onde as pessoas compravam passagens. O Egito estava na âfrica. ­ Quer alguma coisa? ­ perguntou o sujeito no guichË. ­ Talvez amanhÇ ­ disse o rapaz se afastando. Se vendesse apenas uma ovelha podia chegar atÊ o outro lado do estreito. Era uma idÊia que o apavorava. ­ Mais um sonhador ­ disse o sujeito do guichË ao seu assistente, enquanto o rapaz se afastava. ­ NÇo tem dinheiro para viajar. Quando estava no guichË, o rapaz havia se lembrado de suas ovelhas, e sentiu medo de voltar para junto delas. Dois anos haviam passado aprendendo tudo sobre a arte do pastoreio; sabia tosquiar, cuidar das ovelhas grÂvidas, proteger os animais contra os lobos. Conhecia todos os campos e pastos de Andaluzia. Conhecia o preÚo justo de comprar e vender cada um dos seus animais. Resolveu voltar atÊ o estÂbulo de seu amigo pelo caminho mais longo. A cidade tambÊm tinha um castelo, e ele resolveu subir a rampa de pedra e sentar-se numa de suas muradas. L de cima ele podia ver a âfrica. AlguÊm certa vez havia lhe explicado que por ali chegaram os mouros, que ocuparam durante tantos anos quase toda a Espanha. O rapaz detestava os mouros. Eles Ê que tinham trazido os ciganos. De l podia ver tambÊm quase toda a cidade, inclusive a praÚa onde havia