lenço na cabeça, fixo por um anel feito de pele de camelo. Calçou as sandálias novas, e desceu sem fazer qualquer ruído. A cidade ainda dormia. Ele fez um sanduíche de gergelim, e bebeu chá quente no vaso de cristal. Depois sentou-se na soleira da porta, fumando sozinho o narguilé. Fumou em silêncio, sem pensar em nada, escutando apenas o ruído sempre constante do vento que soprava trazendo o cheiro do deserto. Depois que acabou de f'umar, enfiou a mão num dos bolsos do traje, e ficou alguns instantes contemplando o que havia retirado lá de dentro. Havia um grande maço de dinheiro. O suficiente para comprar cento e vinte ovelhas, uma passagem de volta, e uma licença de comércio entre seu país e o país onde estava. Esperou pacientemente que o velho acordasse e abrisse a loja. Os dois então foram juntos tomar mais chá. ­ Vou embora hoje ­ disse o rapaz. ­ Tenho dinheiro para comprar minhas ovelhas. Você tem dinheiro para ir à Meca. O velho não disse nada. ­ Peço sua bênção ­ insistiu o rapaz. ­ Você me ajudou. O velho continuou a preparar o chá em silêncio. Depois de um certo tempo, porém, virou-se para o rapaz. ­ Tenho orgulho de você ­ disse. ­ Você trouxe alma para a minha loja de cristais. Mas sabe que eu não vou à Meca. Como sabe que não voltará a comprar ovelhas. ­ Quem lhe disse isto? ­ perguntou o rapaz, assustado. ­ Maktub ­ disse simplesmente o velho Mercador de Cristais. E o abençoou. O rapaz foi até seu quarto e juntou tudo que tinha. Eram três sacolas cheias. Quando já estava saindo, notou que, num canto do quarto, havia seu velho alforje de pastor. Estava todo amassado, e ele quase nem se lembrava mais dele. Lá dentro estava ainda o mesmo livro e o casaco. Quando ele tirou o casaco, pensando em dar de presente para um rapaz na rua, as duas pedras rolaram pelo chão. O Urim e o Tumim. O rapaz então se lembrou do velho rei, e ficou surpreso em perceber há quanto tempo não pensava mais nisto. Durante um ano havia trabalhado sem parar, pensando apenas em conseguir dinheiro para não voltar de cabeça baixa para a Espanha. "Nunca desista dos seus sonhos", havia falado o velho rei. "Siga os sinais". O rapaz pegou o Urim e o Tumim no chão, e teve novamente aquela estranha sensação de que o rei estava perto. Trabalhara duro durante um ano, e os sinais indicavam que agora era o momento de partir. "Vou voltar exatamente a ser o que era antes", pensou o rapaz. "E as ovelhas não me ensinaram a falar árabe". As ovelhas, entretanto, tinham ensinado uma coisa muito mais importante: que havia uma linguagem no mundo que todos compreendiam, e que o rapaz tinha utilizado durante todo aquele tempo para fazer a loja progredir. Era a linguagem do entusiasmo, das coisas feitas com amor e com vontade, em busca de algo que se desejava ou em que se acreditava. Tânger já não era mais uma cidade estranha, e ele sentiu que da mesma maneira que tinha conquistado aquele lugar, poderia conquistar o mundo. "Quando você deseja uma coisa, todo o Universo conspira para que possa realizá-la", havia falado o velho rei. Mas o velho rei não falara de assaltos, de desertos imensos, de pessoas que conhecem os seus sonhos mas não desejam realizá-los. O velho rei não havia falado que as Pirâmides eram apenas um monte de pedras, e qualquer um podia fazer um monte de pedras em seu quintal. E tinha se esquecido de dizer que, quando se tem dinheiro para comprar um rebanho maior do que o que possuía, deve-se comprar este rebanho. O rapaz pegou o alforje e juntou com seus outros sacos. Desceu as escadas; o velho estava atendendo um casal estrangeiro, enquanto dois outros fregueses andavam pela loja, tomando chá em vasos de cristal. Era um bom movimento para aquela hora da manhã. Do lugar onde estava, notou pela primeira vez que o cabelo do Mercador lembrava muito o cabelo do velho rei. Lembrou-se do sorriso do doceiro, no primeira dia em Tânger, quando não tinha para onde ir nem o que comer; também aquele sorriso lembrava o velho rei. "Como se ele tivesse passado por aqui e deixado uma marca", pensou. "E cada pessoa não tivesse já conhecido este rei em algum momento de suas existências. Afinal de contas, ele disse que sempre aparecia para quem vive sua Lenda Pessoal". Saiu sem se despedir do Mercador de Cristais. Não queria chorar porque as pessoas podiam ver. Mas ia ter saudade de todo aquele tempo, e de todas as coisas boas que havia aprendido. Estava mais confiante em si e tinha vontade de conquistar o mundo. "Mas estou indo para os campos que já conheço, conduzir de novo as ovelhas". E não estava mais contente com sua decisão. Tinha trabalhado um ano inteiro para realizar um sonho, e este sonho, a cada minuto, ia perdendo sua importância. Talvez porque não fosse seu sonho. "Quem sabe é melhor ser como o Mercador de Cristais: nunca ir à Meca, e viver da vontade de conhecê-la". Mas estava segurando o Urim e o Tumim nas mãos, e estas pedras lhe traziam a força e a vontade do velho rei. Por uma coincidência ­ ou um sinal, pensou o rapaz ­ ele chegou ao bar onde havia entrado no primeiro dia. Não havia mais o ladrão, e o dono lhe trouxe uma xícara de chá. "Sempre poderei voltar a ser pastor", pensou o rapaz. "Aprendi a cuidar das ovelhas, e nunca mais me esquecerei de como elas são. Mas talvez não tenha outra oportunidade de chegar até as Pirâmides do Egito. O velho tinha um peitoral de ouro, e sabia minha história. Era um rei de verdade, um rei sábio". Estava apenas a duas horas de barco das planícies de Andaluzia, mas havia um deserto inteiro entre ele as Pirâmides. O rapaz percebeu talvez esta maneira de pensar a mesma situação: na verdade, ele estava duas horas mais perto do seu tesouro. Mesmo que, para caminhar estas duas horas, tivesse demorado quase um ano inteiro. "Sei porque quero voltar para minhas ovelhas. Eu já conheço as ovelhas; não dão muito trabalho, e podem ser amadas. Não sei se o deserto pode ser amado, mas é o deserto que esconde o meu tesouro. Se eu não conseguir encontrá-lo, poderei sempre voltar para casa. Mas de repente a vida me deu dinheiro suficiente, e eu tenho todo o tempo que preciso; por que não?" Sentiu uma alegria imensa naquele momento. Sempre podia voltar a ser pastor de ovelhas. Sempre podia voltar a ser vendedor de cristais. Talvez o mundo tivesse muitos outros tesouros escondidos, mas ele havia tido um sonho repetido e encontrado um rei. Não acontecia com qualquer pessoa. Estava contente quando saiu do bar. Havia se lembrado que um dos fornecedores do Mercador trazia os cristais em caravanas que cruzavam o deserto. Manteve o Urim e o Tumim nas mãos; por causa daquelas duas pedras, estava de volta ao caminho de seu tesouro. "Sempre estou perto dos que vivem a Lenda Pessoal", dissera o velho rei. Não custava nada ir até o armazém, saber se as Pirâmides eram de fato muito longe. O Inglês estava sentado numa construção cheirando a animais, suor, e poeira. Não podia chamar aquilo de armazém; era apenas um curral. "Toda a minha vida para ter que passar por um lugar como este", pensou enquanto folheava distraído uma revista de química. "Dez anos de estudo me conduzem a um curral". Mas era preciso seguir adiante. Tinha que acreditar em sinais. Toda a sua vida, todos os seus estudos foram em busca da linguagem única que o Universo falava. Primeiro havia se interessado por Esperanto, depois por religiões, e finalmente por Alquimia. Sabia falar Esperanto, entendia perfeitamente as diversas religiões, mas ainda não era um Alquimista. Tinha conseguido decifrar coisas importantes, é verdade. Mas suas pesquisas chegaram a um ponto onde não conseguia progredir mais. Tinha tentado em vão entrar em contato com algum alquimista. Mas os alquimistas eram pessoas estranhas, que só pensavam neles mesmos, e quase sempre recusavam ajuda. Quem sabe, não haviam descoberto o segredo da Grande Obra ­ chamada de Pedra Filosofal ­ e por isso se fechavam no silêncio. Já havia gasto parte da fortuna que seu pai lhe deixara, buscando inutilmente a Pedra Filosofal. Tinha freqüentado as melhores bibliotecas do mundo, e comprado os livros mais importantes e mais raros sobre alquimia. Num deles descobriu que há muitos anos atrás, um famoso alquimista árabe havia visitado a Europa. Diziam que ele tinha mais de duzentos anos, que havia descoberto a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. O Inglês ficou impressionado com a história. Mas tudo não teria passado de mais uma lenda, se um amigo seu ­ voltando de uma expedição arqueológica no deserto ­ não lhe tivesse contado sobre um árabe que tinha poderes excepcionais. ­ Mora no oásis de Al-Fayoum ­ disse seu amigo. ­ E as pessoas contam que tem duzentos anos, e que é capaz de transformar qualquer metal em ouro. O Inglês não coube em si de tanta excitação. Imediatamente cancelou todos os seus compromissos, juntou os livros mais importantes, e agora estava ali, naquele armazém parecido com um curral, enquanto lá fora uma imensa caravana se preparava para cruzar o Saara. A caravana passava por Al-Fayoum. "Tenho que conhecer este maldito Alquimista", pensou o Inglês. E o cheiro dos animais tornou-se um pouco mais tolerável. Um jovem árabe, também carregado de malas, entrou no lugar onde o Inglês estava e o cumprimentou. ­ Aonde você vai? ­ perguntou o jovem árabe. ­ Para o deserto ­ respondeu o Inglês, e voltou para a sua leitura. Não queria conversar agora. Precisava recordar tudo que havia aprendido em dez anos, pois o Alquimista deveria submetê-lo a alguma espécie de prova. O jovem árabe tirou um livro e começou a ler. O livro estava escrito em espanhol. "Ainda bem", pensou o Inglês. Sabia falar espanhol melhor que árabe, e se este rapaz fosse até Al-Fayoum, ia ter alguém para conversar quando não estivesse ocupado com coisas importantes. "Que coisa engraçada" ­ pensou o rapaz enquanto tentava mais uma vez ler a cena do enterro que iniciava o livro. ­ "Faz quase dois anos que comecei a ler, e não consigo passar destas páginas". Mesmo sem um rei para interrompê-lo, ele não conseguia se concentrar. Ainda estava em dúvida quanto à sua decisão. Mas estava percebendo uma coisa importante: as decisões eram apenas o começo de alguma coisa. Quando alguém tomava uma decisão, na verdade estava mergulhando numa correnteza poderosa, que levava a pessoa para um lugar que jamais havia sonhado na hora de decidir. "Quando resolvi ir em busca do meu tesouro, nunca imaginei trabalhar numa loja de cristais", pensou o rapaz, para confirmar seu raciocínio. "Da mesma maneira, esta caravana pode ser uma decisão minha, mas seu percurso será sempre um mistério". Na sua frente havia um europeu também lendo um livro. O europeu era antipático, e tinha olhado com desprezo quando ele entrou. Podiam até ter se tornado bons amigos, mas o europeu havia interrompido a conversa. O rapaz fechou o livro. Não queria fazer nada que o deixasse parecido com aquele europeu. Tirou o Urim e o Tumim do bolso, e começou a brincar com eles. O estrangeiro deu um grito: ­ Um Urim e um Tumim! O rapaz, mais que depressa, guardou as pedras no bolso. ­ Não estão à venda ­ disse. ­ Não valem muito ­ disse o Inglês. ­ São cristais de rocha, nada mais. Há milhões de cristais de rocha na terra, mas para quem entende, estes são Urim e Tumim. Não sabia que eles existiam nesta parte do mundo. ­ Foi o presente de um rei ­ disse o rapaz. O estrangeiro ficou mudo. Depois enfiou a mão no bolso e retirou, tremendo, duas pedras iguais. ­ Você falou em um rei ­ disse. ­ E você não acredita que os reis conversem com pastores ­ disse o rapaz, desta vez querendo encerrar a conversa. ­ Ao contrário. Os pastores foram os primeiros a reconhecer um rei que o resto do mundo recusou-se a conhecer. Por isso é muito provável que os reis conversem com pastores. E completou, com medo que o rapaz não estivesse entendendo: ­ Está na Bíblia. No mesmo livro que me ensinou a fazer este Urim e este Tumim. Estas pedras eram a única forma de adivinhação permitida por Deus. Os sacerdotes as carregavam num peitoral de ouro. O rapaz ficou contente de estar naquele armazém. ­ Talvez isto seja um sinal ­ disse o Inglês, como quem pensa alto. ­ Quem lhe falou em sinais? ­ o interesse do rapaz crescia a cada momento. ­ Tudo na vida são sinais ­ disse o Inglês, desta vez fechando a revista que estava lendo. O Universo é feito por uma língua que todo mundo entende, mas que já se esqueceu. Estou procurando esta Linguagem Universal, além de outras coisas. "Por isso estou aqui. Porque tenho que encontrar um homem que conhece esta Linguagem Universal. Um Alquimista." A conversa foi interrompida pelo chefe do armazém. ­ Vocês estão com sorte ­ disse o árabe gordo. ­ Sai hoje à tarde uma caravana para Al-Fayoum. ­ Mas eu vou ao Egito ­ disse o rapaz. ­ Al-Fayoum é no Egito ­ disse o dono. ­ Que tipo de árabe você é? O rapaz disse que era espanhol. O Inglês ficou satisfeito: mesmo vestido como árabe, o rapaz pelo menos era europeu. ­ Ele chama de "sorte" os sinais ­ disse o Inglês, depois que o gordo árabe saiu. ­ Se eu pudesse, escreveria uma gigantesca enciclopédia sobre as palavras "sorte" e "coincidência". É com estas palavras que se escreve a Linguagem Universal. Depois comentou com o rapaz que não havia sido "coincidência" encontrá-lo com o Urim e o Tumim na mão. Perguntou se ele também estava indo em busca do Alquimista. ­ Estou indo em busca de um tesouro ­ disse o rapaz, e arrependeu-se imediatamente. Mas o Inglês pareceu não dar importância. ­ De certa forma, eu também estou, disse. ­ E nem sei o que quer dizer Alquimia ­ completou o rapaz, quando o dono do armazém começou a chamá-los para fora. ­ Eu sou o Líder da Caravana ­ disse um senhor de barba longa e olhos escuros. ­ Tenho poder de vida e de morte sobre cada pessoa que carrego. Porque o deserto é uma mulher caprichosa, e às vezes deixa os homens loucos. Haviam quase duzentas pessoas, e o dobro de animais. Eram camelos, cavalos, burros, aves. O Inglês tinha várias malas, cheias de livros. Haviam mulheres, crianças, e vários homens com espadas na cintura e longas espingardas nos ombros. Um imenso burburinho enchia o local, e o Líder teve que repetir várias vezes suas palavras para que todos entendessem. ­ Há vários homens e deuses diferentes no coração destes homens. Mas meu único Deus é Allah, e por ele eu juro que farei o possível e o melhor para vencer mais uma vez o deserto. Agora quero que cada um de vocês jure pelo Deus em que acredita, no fundo do seu coração, de que irá me obedecer em qualquer circunstância. No deserto, a desobediência significa a morte. Um murmúrio correu baixo por todas as pessoas. Estavam jurando em voz baixa diante de seu Deus. O rapaz jurou por Jesus Cristo. O Inglês ficou em silêncio. O murmúrio se estendeu um tempo maior do que uma simples jura; as pessoas também estavam pedindo proteção aos céus. Ouviu-se um longo toque de clarim, e cada um montou em seu animal. O rapaz e o Inglês haviam comprado camelos, e subiram com uma certa dificuldade. O rapaz ficou com pena do camelo do Inglês: estava carregado com as pesadas sacolas de livros. ­ Não existem coincidências ­ disse o Inglês, tentando continuar a conversa que haviam iniciado no armazém. ­ Foi um amigo que me trouxe até aqui, porque conhecia um árabe, que... Mas a caravana começou a andar, e ficou impossível escutar o que o Inglês estava dizendo. Entretanto, o rapaz sabia exatamente do que se tratava: a cadeia misteriosa que vai unindo uma coisa com a outra, que o tinha levado a ser pastor, a ter o mesmo sonho, e estar numa cidade perto da África, e encontrar na praça um rei, e ser roubado para conhecer um mercador de cristais, e... "Quanto mais se chega perto do sonho, mais a Lenda Pessoal vai se tornando a verdadeira razão de viver", pensou o rapaz. A caravana começou a seguir em direção ao poente. Viajavam de manhã, paravam quando o sol ficava mais forte, e seguiam de novo ao entardecer. O rapaz conversava pouco com o Inglês, que passava a maior parte do tempo entretido pelos livros. Então, passou a observar em silêncio a marcha de animais e homens pelo deserto. Agora tudo era muito diferente do dia em que haviam partido: naquele dia, confusão e gritos, choros e crianças e relinchar de animais, se misturavam com as ordens nervosas dos guias e dos comerciantes. No deserto, porém, havia apenas o vento eterno, o silêncio, e o casco dos animais. Mesmo os guias conversavam pouco entre si. "Já cruzei muitas vezes estas areias" ­ disse um cameleiro certa noite. "Mas o deserto é tão grande, os horizontes ficam tão longe, que fazem a gente se sentir pequeno e permanecer em silêncio". O rapaz entendeu o que o cameleiro queria dizer, mesmo sem ter pisado antes num deserto. Todas as vezes que olhava o mar ou o fogo, era capaz de ficar horas em silêncio, sem pensar em nada, mergulhado na imensidão e na força dos elementos. "Aprendi com ovelhas e aprendi com cristais", pensou ele. "Posso também aprender com o deserto. Ele me parece mais velho e mais sábio". O vento não parava nunca. O rapaz lembrou-se do dia em que sentiu este mesmo vento, sentado num forte em Tarifa. Talvez ele agora estivesse roçando de leve pela lã de suas ovelhas, que seguiam em busca de alimento e água pelos campos de Andaluzia. "Não são mais minhas ovelhas", disse para si mesmo, sem sentir saudades. "Devem ter se acostumado a um novo pastor, e já me esqueceram. Isto é bom. Quem está acostumado a viajar, como as ovelhas, sabe que é sempre necessário partir um dia". Lembrou-se depois, da filha do comerciante, e teve certeza de que ela já havia casado. Quem sabe com um pipoqueiro, ou com um pastor que também soubesse ler e contasse histórias extraordinárias; afinal, ele não devia ser o único. Mas ficou impressionado com o seu pressentimento: talvez ele estivesse aprendendo também esta história de Linguagem Universal, que sabe o passado e o presente de todos os homens. "Pressentimentos", como sua mãe costumava dizer. O rapaz começou a entender que os pressentimentos eram os rápidos mergulhos que a alma dava nesta corrente Universal de vida, onde a história de todos os homens está ligada entre si, e podemos saber tudo, porque tudo está escrito. "Maktub", disse o rapaz, lembrando-se do Mercador de Cristais. O deserto era às vezes feito de areia, e às vezes feito de pedra. Se a caravana chegava em frente a uma pedra, ela a contornava; se estavam diante de um rochedo, davam uma longa volta. Se a areia era fina demais para o casco dos camelos, procuravam um lugar onde a areia fosse mais resistente. Às vezes o chão estava coberto de sal, no lugar onde um lago devia haver existido. Os animais então se queixavam, e os cameleiros desciam e desatolavam os animais. Depois colocavam as cargas nas próprias costas, passavam pelo chão traiçoeiro, e novamente carregavam os animais. Se um guia ficava doente ou morria, os cameleiros lançavam a sorte e escolhiam um novo guia. Mas tudo isto acontecia por uma única razão: não importava quantas voltas tivesse que dar, a caravana seguia sempre em direção a um mesmo ponto. Depois de vencidos os obstáculos, ela voltava de novo sua frente para o astro que indicava a posição do oásis. Quando as pessoas viam aquele astro brilhando no céu pela manhã, sabiam que ele indicava um lugar com mulheres, água, tâmaras e palmeiras. Só o Inglês não percebia aquilo: estava a maior parte do tempo imerso na leitura dos seus livros. O rapaz também tinha um livro, que havia tentado ler nos primeiros dias de viagem. Mas achava muito mais interessante olhar a caravana e escutar o vento. Assim que aprendeu a conhecer melhor seu camelo e a se afeiçoar a ele, jogou o livro fora. Era um peso desnecessário, apesar do rapaz haver criado a superstição de que toda vez que abria o livro, encontrava alguém importante. Terminou fazendo amizade com o cameleiro que viajava sempre ao seu lado. De noite, quando paravam em volta das fogueiras, costumava contar suas aventuras como pastor ao cameleiro. Numa destas conversas o cameleiro começou a falar de sua vida. ­ Eu morava num lugar perto de El Cairum ­ contou. ­ Tinha minha horta, meus filhos e uma vida que não ia mudar até o dia de minha morte. Num ano em que a colheita foi melhor, seguimos todos para Meca, e eu cumpri a única obrigação que estava faltando na minha vida. Podia morrer em paz, e gostava disto. "Certo dia a terra começou a tremer, e o Nilo subiu além do seu limite. Aquilo que eu pensava que só acontecia com os outros, terminou acontecendo comigo. Meus vizinhos tiveram medo de perder suas oliveiras com a inundação; minha mulher teve receio de que nossos filhos fossem levados pelas águas. E eu tive pavor de ver destruído tudo que havia conquistado. "Mas não houve jeito. A terra ficou imprestável e tive que arranjar outro meio de vida. Hoje sou cameleiro. Mas aí entendi a palavra de Allah: ninguém sente medo do desconhecido, porque qualquer pessoa é capaz de conquistar tudo que quer e necessita. "Só sentimos medo de perder aquilo que temos, sejam nossas vidas ou nossas plantações. Mas este medo passa quando entendemos que nossa história e a história do mundo foram escritas pela mesma Mão". Às vezes as caravanas se encontravam durante a noite. Sempre uma delas tinha o que a outra estava precisando ­ como se realmente tudo fosse escrito por uma só Mão. Os cameleiros trocavam informações sobre as tempestades de vento, e se reuniam em torno das fogueiras, contando as histórias do deserto. Outras vezes chegavam misteriosos homens encapuçados; eram beduínos que espionavam a rota seguida pelas caravanas. Davam notícias de assaltantes e tribos bárbaras. Chegavam no silêncio e partiam no silêncio, com as roupas negras deixando apenas os olhos de fora. Numa destas noites o cameleiro veio até a fogueira onde o rapaz e o Inglês estavam sentados. ­ Há rumores de guerra entre os clãs ­ disse o cameleiro. Os três ficaram quietos. O rapaz notou que havia medo no ar, mesmo que ninguém tivesse dito nenhuma palavra. Mais uma vez estava percebendo a linguagem sem palavras, a Linguagem Universal. Depois de certo tempo, o Inglês perguntou se havia perigo. ­ Quem entra no deserto não pode voltar ­ disse o cameleiro. ­ Quando não se pode voltar, só devemos ficar preocupado com a melhor maneira de seguir em frente. O resto é por conta de Allah, inclusive o perigo. E concluiu dizendo a misteriosa palavra: "Maktub". ­ Você precisa prestar mais atenção às caravanas ­ disse o rapaz ao Inglês, depois que o cameleiro saiu. ­ Elas dão muitas voltas, mas rumam sempre para o mesmo lugar. ­ E você devia ler mais sobre o mundo ­ respondeu o Inglês. ­ Os livros são iguais às caravanas. O imenso grupo de homens e animais começou a andar mais rápido. Além do silêncio durante o dia, as noites ­ quando as pessoas costumavam se reunir para conversar em torno das fogueiras ­ começaram a ficar também silenciosas. Certo dia o Líder da Caravana decidiu que nem fogueiras podiam mais ser acesas, para não chamar a atenção sobre a caravana. Os viajantes passaram a fazer uma roda de animais, e dormiam todos juntos no centro, tentando se proteger do frio noturno. O Líder passou a instalar sentinelas armadas em volta do grupo. Numa daquelas noites o Inglês não conseguiu dormir. Chamou o rapaz e começaram a passear pelas dunas em volta do acampamento. Era uma noite de lua cheia, e o rapaz contou ao Inglês toda a sua história. O Inglês ficou fascinado com a loja que havia progredido depois que o rapaz começou a trabalhar nela. ­ Este é o princípio que move todas as coisas ­ disse. ­ Na Alquimia é chamado de Alma do Mundo. Quando você deseja algo de todo o seu coração, você está mais próximo da Alma do Mundo. Ela é sempre uma força positiva. Disse também que isto não era apenas um dom dos homens: todas as coisas sobre a face da Terra tinham também uma alma, não importando se era mineral, vegetal, animal, ou apenas um simples pensamento. ­ Tudo que está sob e sobre a face da Terra se transforma sempre, porque a Terra está viva; e tem uma alma. Somos parte desta Alma, e raramente sabemos que ela sempre trabalha em nosso favor. Mas você deve entender que, na loja dos cristais, até mesmo os vasos estavam colaborando para o seu sucesso. O rapaz ficou em silêncio por algum tempo, olhando a lua e a areia branca. ­ Tenho visto a caravana caminhando através do deserto ­ disse, por fim. ­ Ela e o deserto falam a mesma língua, e por isso ele permite que ela o atravesse. Vai testar cada passo seu, para ver se está em perfeita sintonia com ele; e se estiver, ela chegará até o oásis. "Se um de nós chegasse aqui com muita coragem, mas sem entender esta língua, ia morrer no primeiro dia." Continuaram olhando a lua, juntos. ­ Esta é a magia dos sinais ­ continuou o rapaz. ­ Tenho visto como os guias lêem os sinais do deserto, e como a alma da caravana conversa com a alma do deserto. Depois de algum tempo, foi a vez do Inglês falar. ­ Preciso prestar mais atenção à caravana ­ disse, por fim. ­ E eu preciso ler seus livros ­ falou o rapaz. Eram livros estranhos. Falavam em mercúrio, sal, dragões e reis, mas ele não conseguia entender nada. Entretanto, havia uma idéia que parecia repetida em quase todos os livros: todas as coisas eram manifestações de uma coisa só. Num dos livros ele descobriu que o texto mais importante da Alquimia tinha apenas poucas linhas, e havia sido escrito numa simples esmeralda. ­ É a Táboa da Esmeralda ­ falou o Inglês, orgulhoso por ensinar alguma coisa ao rapaz. ­ E então, para que tantos livros? ­ Para entender estas linhas ­ respondeu o Inglês, sem estar muito convencido da própria resposta. O livro que mais interessou ao rapaz contava a história dos alquimistas famosos. Eram homens que tinham dedicado sua vida inteira a purificar metais nos laboratórios; acreditavam que se um metal fosse cozinhado durante muitos e muitos anos, terminaria se libertando de todas as suas propriedades individuais, e em seu lugar sobrava apenas a Alma do Mundo. Esta Coisa Única permitia que os alquimistas entendessem qualquer coisa sobre a face da Terra, porque ela era a linguagem pela qual as coisas se comunicavam. Eles chamavam esta descoberta de Grande Obra ­ que era composta de uma parte líquida e uma parte sólida. ­ Não basta observar os homens e os sinais, para se descobrir esta linguagem? ­ perguntou o rapaz. ­ Você tem mania de simplificar tudo ­ respondeu o Inglês irritado. ­ A Alquimia é um trabalho sério. Precisa que cada passo seja seguido exatamente como os mestres ensinaram. O rapaz descobriu que a parte líquida da Grande Obra era chamada de Elixir da Longa Vida, e curava todas as doenças, além de evitar que o alquimista ficasse velho. E a parte sólida era camada de Pedra Filosofal. ­ Não é fácil descobrir a Pedra Filosofal ­ disse o Inglês. ­ Os alquimistas ficavam muitos anos nos laboratórios, olhando aquele fogo que purificava os metais. Olhavam tanto o fogo, que aos poucos suas cabeças iam perdendo todas as vaidades do mundo. Então, um belo dia, descobriam que a purificação dos metais havia terminado por purificar a eles mesmos. O rapaz se lembrou do Mercador de Cristais. Ele havia falado que tinha sido bom limpar seus vasos, para que ambos se libertassem também dos maus pensamentos. Estava cada vez mais convencido de que a Alquimia poderia ser aprendida na vida diária. ­ Além disso ­ falou o Inglês ­ a Pedra Filosofal tem uma propriedade fascinante. Uma pequena lasca dela é capaz de transformar grandes quantidades de metal em ouro. A partir desta frase, o rapaz ficou interessadíssimo em Alquimia. Pensava que, com um pouco de paciência, poderia transformar tudo em ouro. Leu a vida de várias pessoas que tinham conseguido: Helvetius, Elias, Fulcanelli, Geber. Eram histórias fascinantes: todos estavam vivendo até o fim sua Lenda Pessoal. Viajavam, encontravam sábios, faziam milagres na frente dos incrédulos, possuíam a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. Mas quando queria aprender a maneira de conseguir a Grande Obra, ficava completamente perdido. Eram apenas desenhos, instruções em código, textos obscuros. ­ Por que eles falam tão difícil? ­ perguntou certa noite ao Inglês. Notou também que o Inglês andava meio aborrecido e sentindo falta de seus livros. ­ Para que só os que têm responsabilidade de entender que entendam ­ disse ele. ­ Imagine se todo mundo saísse transformando chumbo em ouro. Daqui a pouco o ouro não ia valer nada. "Só os persistentes, só aqueles que pesquisam muito, é que conseguem a Grande Obra. Por isso estou no meio deste deserto. Para encontrar um verdadeiro Alquimista, que me ajude a decifrar os códigos". ­ Quando foram escritos estes livros? ­ perguntou o rapaz. ­ Há muitos séculos atrás. ­ Naquela época não havia imprensa ­ insistiu o rapaz. Não havia jeito de todo mundo tomar conhecimento da Alquimia. Por que esta linguagem tão estranha, cheia de desenhos? O Inglês não respondeu nada. Disse que há vários dias estava prestando atenção à caravana, e que não conseguia descobrir nada de novo. A única coisa que tinha notado era que os comentários sobre a guerra aumentavam cada vez mais. Um belo dia o rapaz entregou de volta os livros ao Inglês. ­ Então, aprendeu muita coisa? ­ perguntou o outro, cheio de expectativa. Estava precisando de alguém com quem pudesse conversar para esquecer o medo da guerra. ­ Aprendi que o mundo tem uma Alma, e quem entender esta Alma, entenderá a linguagem das coisas. Aprendi que muitos alquimistas viveram sua Lenda Pessoal e terminaram descobrindo a Alma do Mundo, a Pedra Filosofal, o Elixir. "Mas, sobretudo, aprendi que estas coisas são tão simples que podem ser escritas numa esmeralda". O Inglês ficou decepcionado. Os anos de estudo, os símbolos mágicos, as palavras difíceis, os aparelhos de laboratório, nada disso havia impressionado o rapaz. "Ele deve ter uma alma primitiva demais para compreender isto", apensou. Pegou seus livros e guardou nos sacos que pendiam do camelo. ­ Volte para sua caravana ­ disse. ­ Ela tampouco me ensinou qualquer coisa. O rapaz voltou a contemplar o silêncio do deserto e a areia levantada pelos animais. "Cada um tem sua maneira de aprender", repetia consigo mesmo. "A maneira dele não é a minha, e minha maneira não é a dele. Mas ambos estamos em busca de nossa Lenda Pessoal, e eu o respeito por isto". A caravana começou a viajar dia e noite . A toda hora apareciam os mensageiros encapuçados, e o cameleiro ­ que haviam se tornado amigo do rapaz ­ explicou que a guerra entre os clãs havia começado. Teriam muita sorte se conseguissem chegar ao oásis. Os animais estavam exaustos, e os homens cada vez mais silenciosos. O silêncio era mais terrível na parte da noite, quando um simples relincho de camelo ­ que antes não passava de um relincho de camelo ­ agora assustava a todos e podia ser um sinal de invasão. O cameleiro, porém, parecia não se impressionar muito com a ameaça de guerra. ­ Estou vivo ­ disse ao rapaz, enquanto comia um prato de tâmaras na noite sem fogueiras e sem lua. ­ Enquanto estou comendo, não faço nada além de comer. Se estiver caminhando, apenas caminharei. Se tiver que lutar, será um dia tão bom para morrer como qualquer outro. "Porque não vivo nem no meu passado, nem no meu futuro. Tenho apenas o presente, e ele é o que me interessa. Se você puder permanecer sempre no presente, então será um homem feliz. Vai perceber que no deserto existe vida, que o céu tem estrelas, e que os guerreiros lutam porque isto faz parte da raça humana. A vida será uma festa, um grande festival, porque ela é sempre e apenas o momento que estamos vivendo." Duas noites depois, quando se preparava para dormir, o rapaz olhou em direção ao astro que seguiam durante a noite. Achou que o horizonte estava um pouco mais baixo, porque em cima do deserto haviam centenas de estrelas. ­ É o oásis ­ disse o cameleiro. ­ E porque não chegamos lá imediatamente? ­ Porque precisamos dormir. O rapaz abriu os olhos quando o sol começava a surgir no horizonte. Diante dele, onde as pequenas estrelas haviam estado durante a noite, estendia-se uma fila interminável de tamareiras, cobrindo toda a frente do deserto. ­ Conseguimos! ­ disse o Inglês, que também tinha acabado de acordar. O rapaz, porém, mantinha-se calado. Aprendera o silêncio do deserto, e contentava-se em olhar as tamareiras na sua frente. Ainda tinha que caminhar muito para chegar até as Pirâmides, e algum dia aquela manhã seria apenas uma lembrança. Mas agora ela era o momento presente, a festa da qual havia falado o cameleiro, e ele estava procurando vivê-lo com as lições do seu passado e os sonhos do seu futuro. Um dia, aquela visão de milhares de tamareiras seria apenas uma lembrança. Mas para ele, neste momento, significava sombra, água, e um refúgio para a guerra. Assim como um relincho de camelo podia se transformar em perigo, uma fila de tamareiras podia significar um milagre. "O mundo fala muitas linguagens", pensou o rapaz. "Quando os tempos andam depressa, as caravanas correm também", pensou o Alquimista, enquanto via chegar centenas de pessoas e animais ao Oásis. As pessoas gritavam atrás dos recém-chegados, a poeira encobria o sol do deserto, e as crianças pulavam de excitação ao ver os estranhos. O Alquimista percebeu os chefes tribais se aproximarem do Líder da Caravana, e conversarem longamente entre si. Mas nada daquilo interessava ao Alquimista. Já havia visto muita gente chegar e partir, enquanto o Oásis e o deserto permaneciam o mesmo. Tinha visto reis e mendigos pisando aquelas areias que sempre mudavam de forma por causa do vento, mas que eram as mesmas que havia conhecido quando criança. Mesmo assim, não conseguia conter no fundo do seu coração um pouco da alegria de vida que todo viajante experimentava quando, depois de terra amarela e céu azul, o verde das tamareiras aparecia diante de seus olhos. "Talvez Deus tenha criado o deserto para que o homem pudesse sorrir com as tamareiras", pensou ele. Depois resolveu concentrar-se em assuntos mais práticos. Sabia que naquela caravana vinha o homem a quem devia ensinar parte de seus segredos. Os sinais lhe haviam contado isto. Ainda não conhecia este homem, mas seus olhos experimentados o reconheceriam quando o visse. Esperava que fosse alguém tão capaz como seu aprendiz anterior. "Não sei porque estas coisas tem que ser transmitidas de boca para ouvido", pensava ele. Não era exatamente porque as coisas eram secretas; Deus revelava prodigamente seus segredos a todas as criaturas. Ele só conhecia uma explicação para este fato: as coisas tinham que ser transmitidas assim porque elas seriam feitas de Vida Pura, e este tipo de vida dificilmente consegue ser capturado em pinturas ou palavras. Porque as pessoas se fascinam com pinturas e palavras, e terminam se esquecendo da Linguagem do Mundo. Os recém-chegados foram trazidos imediatamente à presença dos chefes tribais de Al-Fayoum. O rapaz não podia acreditar no que estava vendo: ao invés de um poço cercado de algumas palmeiras ­ como havia lido certa vez num livro de história ­ o oásis era muito maior do que várias aldeias da Espanha. Tinha trezentos poços, cinqüenta mil tamareiras, e muitas tendas coloridas espalhadas entre elas. ­ Parece as Mil e Uma Noites ­ disse o Inglês, impaciente para encontrar-se logo com o Alquimista. Foram cercados logo pelas crianças, que olhavam curiosas os animais, os camelos, e as pessoas que chegavam. Os homens queriam saber se tinham visto algum combate, e as mulheres disputavam entre si os tecidos e pedras que os mercadores haviam trazido. O silêncio do deserto parecia um sonho distante; as pessoas falavam sem parar, riam e gritavam, como se tivessem saído de um mundo espiritual, para estarem de novo entre os homens. Estavam contentes e felizes. Apesar das precauções do dia anterior, o cameleiro explicou ao rapaz que os oásis no deserto eram sempre considerados terrenos neutros, porque a maior parte dos habitantes eram mulheres e crianças. E haviam oásis tanto de um lado como de outro; assim, os guerreiros iam lutar do deserto, e deixavam os oásis como cidades de refúgio. O Líder da Caravana reuniu todos com uma certa dificuldade, e começou a dar as instruções. Iam permanecer ali até que a guerra entre os clãs tivesse terminada. Como eram visitantes, deviam compartilhar as tendas com habitantes do oásis, que lhes dariam seus melhores lugares. Era a hospitalidade da Lei. Depois pediu que todos, inclusive seus próprios sentinelas, entregassem as armas aos homens indicados pelos chefes tribais. ­ São as regras da Guerra ­ explicou o Líder da Caravana. Desta maneira, os oásis não poderiam abrigar exércitos ou guerreiros. Para surpresa do rapaz, o Inglês tirou de seu casaco um revólver cromado e entregou ao homem que recolhia as armas. ­ Para que um revólver? ­ perguntou. ­ Para aprender a confiar nos homens ­ respondeu o Inglês. Estava contente por haver chegado ao final de sua busca. O rapaz, porém, pensava em seu tesouro. Quanto mais perto ele ficava de seu sonho, mais as coisas se tornavam difíceis. Não funcionava mais aquilo que o velho rei havia chamado de "sorte de principiante". O que funcionava, sabia ele, era o teste da persistência e da coragem de quem busca sua Lenda Pessoal. Por isso ele não podia se apressar, nem ficar impaciente. Se agisse assim, ia terminar sem ver os sinais que Deus havia posto no seu caminho. "Deus colocou no meu caminho", pensou o rapaz, surpreso consigo mesmo. Até aquele momento considerava os sinais como uma coisa do mundo. Algo como comer ou dormir, algo como procurar um amor, ou conseguir um emprego. Nunca tinha pensado que esta era uma linguagem que Deus estava usando para mostrar-lhe o que devia fazer. "Não fique impaciente", repetiu o rapaz para si mesmo. "Como disse o cameleiro, coma na hora de comer. E caminhe na hora de caminhar". No primeiro dia todos dormiram de cansaço, inclusive o Inglês. O rapaz havia ficado longe dele, numa tenda com outros cinco rapazes de idade quase igual a sua. Eram gente do deserto, e queriam saber histórias das grandes cidades. O rapaz falou de sua vida como pastor, e ia começar a contar sua experiência na loja de cristais, quando o Inglês entrou na tenda. ­ Procurei-o a manhã inteira ­ disse, enquanto carregava o rapaz para fora. ­ Preciso que me ajude a descobrir onde mora o Alquimista. Primeiro os dois tentaram encontrar sozinhos. Um Alquimista devia viver de maneira diferente das outras pessoas do oásis, e em sua tenda era muito provável que um forno estivesse sempre aceso. Andaram bastante, até ficarem convencidos que o oásis era muito maior do que podiam imaginar, e com muitas centenas de tendas. ­ Perdemos quase o dia inteiro ­ disse o Inglês, sentando-se com o rapaz perto de u