m dos poços do oásis. ­ Talvez seja melhor perguntarmos ­ disse o rapaz. O Inglês não queria contar aos outros sua presença no Oásis, e ficou bastante indeciso. Mas acabou concordando e pediu ao rapaz, que falava melhor o árabe, para fazer isto. O rapaz se aproximou de uma mulher que havia chegado no poço para encher de água um saco de pele de carneiro. ­ Boa tarde, senhora. Gostaria de saber onde vive um Alquimista neste oásis ­ perguntou o rapaz. A mulher disse que jamais havia ouvido falar disso, e foi imediatamente embora. Antes, porém, avisou ao rapaz que não deveria conversar com mulheres vestidas de preto, porque eram mulheres casadas. Ele tinha que respeitar a Tradição. O Inglês ficou decepcionadíssimo. Tinha feito toda a sua viagem por nada. O rapaz também ficou triste; seu companheiro também estava em busca de sua Lenda Pessoal. E quando alguém faz isto, o Universo todo se esforça para que a pessoa consiga o que deseja, dissera o velho rei. Ele não podia estar enganado. ­ Eu nunca tinha ouvido falar antes de alquimistas ­ disse o rapaz. ­ Senão tentaria ajudá-lo. Alguma coisa brilhou nos olhos do Inglês. ­ É isto! Talvez ninguém aqui saiba o que é um alquimista! Pergunte pelo homem que cura todas as doenças da aldeia! Várias mulheres vestidas de preto vieram buscar água no poço, e o rapaz não conversou com elas, por mais que o Inglês insistisse. Até que um homem se aproximou. ­ Conhece alguém que cura as doenças da aldeia? ­ perguntou o rapaz. ­ Allah cura todas as doenças, ­ disse o homem, visivelmente apavorado com os estrangeiros. ­ Vocês estão em busca de bruxos. E depois de dizer alguns versículos do Alcorão, seguiu seu caminho. Um outro homem se aproximou. Era mais velho, e trazia apenas um pequeno balde. O rapaz repetiu a pergunta. ­ Por que vocês querem conhecer este tipo de homem? ­ respondeu o árabe com outra pergunta. ­ Porque meu amigo viajou muitos meses para encontrá-lo ­ disse o rapaz. ­ Se este homem existe no oásis, deve ser muito poderoso ­ disse o velho, depois de pensar por alguns instantes. ­ Nem os chefes tribais conseguiriam vê-lo quando precisam. Só quando ele assim determinasse. "Esperem o final da guerra. E então partam com a caravana. Não procurem entrar na vida do oásis", concluiu, se afastando. Mas o Inglês ficou exultante. Estavam na pista certa. Finalmente surgiu uma moça que não estava vestida de negro. Trazia um cântaro no ombro, e a cabeça coberta com um véu, mas tinha o rosto descoberto. O rapaz aproximou-se para perguntar sobre o Alquimista. Então foi como se o tempo parasse, e a Alma do Mundo surgisse com toda a força diante do rapaz. Quando ele olhou seus olhos negros, seus lábios indecisos entre um sorriso e o silêncio, ele entendeu a parte mais importante e mais sábia da Linguagem que o mundo falava, e que todas as pessoas da terra eram capazes de entender em seus corações. E isto era chamado de Amor, uma coisa mais antiga que os homens e que o próprio deserto, e que no entanto ressurgia sempre com a mesma força onde quer que dois pares de olhos se cruzassem como se cruzaram aqueles dois pares de olhos diante de um poço. Os lábios finalmente resolveram dar um sorriso, e aquilo era um sinal, o sinal que ele esperou sem saber durante tanto tempo em sua vida, que tinha buscado nas ovelhas e nos livros, nos cristais e no silêncio do deserto. Ali estava a pura linguagem do mundo, sem explicações, porque o Universo não precisava de explicações para continuar seu caminho no espaço sem fim. Tudo o que o rapaz entendia naquele momento era que estava diante da mulher de sua vida, e sem nenhuma necessidade de palavras, ela devia saber disto também. Tinha mais certeza disto do que de qualquer coisa no mundo, mesmo que seus pais, e os pais de seus pais dissessem que era preciso namorar, noivar, conhecer a pessoa e ter dinheiro antes de se casar. Quem dizia isto talvez jamais tivesse conhecido a linguagem universal, porque quando se mergulha nela, é fácil entender que sempre existe no mundo uma pessoa que espera a outra, seja no meio de um deserto, seja no meio das grandes cidades. E quando estas pessoas se cruzam, e seus olhos se encontram, todo o passado e todo o futuro perde qualquer importância, e só existe aquele momento, e aquela certeza incrível de que todas as coisas debaixo do sol foram escritas pela mesma Mão. A Mão que desperta o Amor, e que fez uma alma gêmea para cada pessoa que trabalha, descansa e busca tesouros debaixo do sol. Porque sem isto não haveria qualquer sentido para os sonhos da raça humana. "Maktub", pensou o rapaz. O Inglês levantou-se de onde estava sentado e sacudiu o rapaz. ­ Vamos, pergunte a ela! O rapaz se aproximou da moça. Ela tornou a sorrir. Ele sorriu também. ­ Como você se chama? ­ perguntou. ­ Me chamo Fátima ­ disse a moça, olhando para o chão. ­ É um nome que algumas mulheres tem na terra de onde venho. ­ É o nome da filha do Profeta ­ disse Fátima. ­ Os guerreiros os levaram para lá. A moça delicada falava de guerreiros com orgulho. Ao seu lado o Inglês insistia, e o rapaz perguntou pelo homem que curava todas as doenças. ­ É um homem que conhece os segredos do mundo. Conversa com os djins do deserto ­ ela falou. Os djins eram os demônios. E a moça apontou para o sul, para o lugar onde aquele estranho homem morava. Depois encheu seu cântaro e partiu. O Inglês partiu também, em busca do Alquimista. E o rapaz ficou por muito tempo sentado ao lado do poço, entendendo que algum dia o Levante havia deixado em seu rosto o perfume daquela mulher, e que já a amava antes mesmo de saber que ela existia, e que seu amor por ela faria com que encontrasse todos os tesouros do mundo. No dia seguinte o rapaz voltou para o poço, para esperar a moça. Para sua surpresa, encontrou lá o Inglês, olhando pela primeira vez o deserto. ­ Esperei a tarde e a noite ­ disse o Inglês. ­ Ele chegou junto com as primeiras estrelas. Eu lhe contei o que estava procurando. Então ele me perguntou se já havia transformado chumbo em ouro. Eu disse que era isto que queria aprender. "Ele me mandou tentar. Foi tudo que me disse: vá tentar". O rapaz ficou quieto. O Inglês havia viajado tanto para ouvir o que já sabia. Aí ele se lembrou de que tinha dado seis ovelhas ao velho rei pela mesma razão. ­ Então tente ­ disse para o Inglês. ­ É isto que vou fazer. E vou começar agora. Pouco depois que o Inglês saiu, Fátima chegou para apanhar água com seu cântaro. ­ Vim dizer-lhe uma coisa simples ­ falou o rapaz. ­ Eu quero que você seja minha mulher. Eu te amo. A moça deixou que seu cântaro derramasse a água. ­ Vou esperá-la todos os dias aqui. Cruzei o deserto em busca de um tesouro que se encontra perto das pirâmides. A guerra foi para mim uma maldição. Agora ela é uma bênção, porque me deixa perto de você. ­ A guerra um dia vai acabar ­ disse a moça. O rapaz olhou as tamareiras do oásis. Havia sido pastor. E ali existiam muitas ovelhas. Fátima era mais importante que o tesouro. ­ Os guerreiros buscam seus tesouros ­ disse a moça, como se estivesse adivinhando o pensamento do rapaz. ­ E as mulheres do deserto têm orgulho dos seus guerreiros. Depois tornou a encher seu cântaro, e foi embora. Todos os dias o rapaz ia para o poço esperar Fátima. Contou-lhe de sua vida de pastor, do rei, da loja de cristais. Ficaram amigos, e com exceção quinze minutos que passava com ela, o resto do dia custava infinitamente a passar. Quando já estava há quase um mês no oásis, o Líder da Caravana convocou a todos para uma reunião. ­ Não sabemos quando a guerra vai acabar, e não podemos seguir viagem ­ disse. ­ Os combates devem durar por muito tempo, talvez muitos anos. Existem guerreiros fortes e valentes de ambos os lados, e existe a honra de combater em ambos os exércitos. Não é uma guerra entre bons e maus. É uma guerra entre forças que lutam pelo mesmo poder, e quando este tipo de batalha começa, demora mais que as outras ­ porque Allah está dos dois lados. As pessoas se dispersaram. O rapaz tornou a encontrar-se com Fátima aquela tarde, e contou da reunião. ­ No segundo dia que nos encontramos ­ disse Fátima ­ você me falou do seu amor. Depois me ensinou coisas belas, como a Linguagem e a Alma do Mundo. Tudo isto me faz aos poucos ser parte de você. O rapaz ouvia sua voz, e achava mais bela que o barulho do vento nas folhas das tamareiras. ­ Faz muito tempo, que estive aqui neste poço esperando por você. Não consigo me lembrar do meu passado, da Tradição, da maneira que os homens esperam que se comportem as mulheres do deserto. Desde criança eu sonhava que o deserto ia me trazer o maior presente de minha vida. Este presente chegou afinal, e é você. O rapaz pensou em tocar sua mão. Mas Fátima segurava as alças do cântaro. ­ Você me falou dos seus sonhos, do velho rei, e do tesouro. Você me falou dos sinais. Então não tenho medo de nada, porque foram estes sinais que me trouxeram você. E eu sou parte do seu sonho, da sua Lenda Pessoal, como você costuma chamar. "Por isso quero que siga em direção ao que veio buscar. Se tiver que esperar o final da guerra, muito bem. Mas se tiver que seguir antes, vá em direção à sua lenda. As dunas mudam com o vento, mas o deserto permanece no mesmo. Assim será com nosso amor. "Maktub" ­ disse. "Se eu for parte de sua Lenda, você voltará um dia". O rapaz saiu triste do encontro com Fátima. Ele se lembrava de muita gente que havia conhecido. Os pastores casados tinham muita dificuldade em convencer suas esposas de que precisavam andar pelos campos. O amor exigia estar junto da pessoa amada. No dia seguinte ele contou tudo isto à Fátima. ­ O deserto leva nossos homens e nem sempre os traz de volta ­ disse ela. ­ Então nos acostumamos com isto. E eles passam a existir nas nuvens sem chuva, nos animais que se escondem entre as pedras, na água que sai generosa da terra. Eles passam a fazer parte de tudo, passam a ser a Alma do Mundo. "Alguns retornam. E então todas as outras mulheres ficam felizes, porque os homens que elas esperam também podem voltar um dia. Antes eu olhava estas mulheres, e invejava sua felicidade. Agora vou ter também uma pessoa para esperar. "Sou uma mulher do deserto e me orgulho disto. Quero que meu homem também caminhe livre como o vento que move as dunas. Quero também poder ver meu homem nas nuvens, nos animais e na água." O rapaz foi procurar o Inglês. Queria contar-lhe sobre Fátima. Ficou surpreso quando viu que o Inglês havia construído um pequeno forno ao lado de sua tenda. Era um forno estranho, com um frasco transparente em cima. O Inglês alimentava o fogo com lenha, e olhava o deserto. Seus olhos pareciam ter mais brilho quando passava o tempo todo lendo livros. ­ Esta é a primeira fase do trabalho ­ disse o Inglês. ­ Tenho que separar o enxofre impuro. Para isto, nao posso ter medo de falhar. O meu medo de falhar foi que me impediu de tentar a Grande Obra até hoje. É agora que estou começando o que podia ter começado há dez anos atrás. Mas me sinto feliz de não ter esperado vinte anos para isto. E continuou a alimentar o fogo e a olhar o deserto. O rapaz ficou ao seu lado por algum tempo, até que o deserto começou a ficar rosado com a luz do entardecer. Então ele sentiu uma imensa vontade de ir até lá, para ver se o silêncio conseguia responder suas perguntas. Caminhou sem destino por algum tempo, mantendo as tamareiras do oásis ao alcance de seus olhos. Escutava o vento, e sentia as pedras sob seus pés. Às vezes encontrava alguma concha, e sabia que aquele deserto, num tempo remoto, havia sido um grande mar. Depois sentou-se numa pedra e deixou-se hipnotizar pelo horizonte que existia na sua frente. Não conseguia entender o Amor sem o sentimento de posse; mas Fátima era uma mulher do deserto, e se alguém podia lhe ensinar isto, era o deserto. Ficou assim, sem pensar em nada, até que pressentiu um movimento sobre sua cabeça. Olhando para o céu, viu que eram dois gaviões, voando muito alto. O rapaz começou a olhar os gaviões, e os desenhos que eles faziam no céu. Parecia uma coisa desordenada, entretanto, tinham algum sentido para o rapaz. Apenas não conseguia compreender seu significado. Decidiu então que devia acompanhar com os olhos o movimento dos pássaros, e talvez pudesse ler alguma coisa. Talvez o deserto pudesse lhe explicar o amor sem posse. Começou a sentir sono. Seu coração pediu para que não dormisse: ao invés disto, devia se entregar. "Estava penetrando na Linguagem do Mundo, e tudo nesta terra faz sentido, até mesmo o vôo de gaviões", disse. E aproveitou para agradecer pelo fato de estar cheio de amor por uma mulher. "Quando se ama, as coisas fazem ainda mais sentido", pensou. De repente, um gavião deu um rápido mergulho no céu e atacou o outro. Quando fez este movimento, o rapaz teve uma súbita e rápida visão: um exército, de espadas desembainhadas, entrando no oásis. A visão logo sumiu, mas aquilo lhe deixou sobressaltado. Havia ouvido falar das miragens, e já havia visto algumas: eram desejos que se materializavam sobre a areia do deserto. Entretanto, ele não desejava um exército invadindo o oásis. Pensou em esquecer aquilo e voltar à sua meditação. Tentou novamente concentrar-se no deserto côr-de-rosa e nas pedras. Mas alguma coisa em seu coração não o deixava quieto. "Siga sempre os sinais", dissera o velho rei. E o rapaz pensou em Fátima. Lembrou-se do que havia visto, e pressentiu que estava próximo de acontecer. Com muita dificuldade, saiu do transe em que havia entrado. Levantou-se, e começou a caminhar em direção às tamareiras. Mais uma vez percebia as muitas linguagens das coisas: desta vez, o deserto era seguro, e o oásis se transformara em perigo. O cameleiro estava sentado aos pés de uma tamareira, também olhando o pôr-do-sol. Viu quando o rapaz surgiu por detrás de uma das dunas. ­ Um exército se aproxima ­ disse. ­ Tive uma visão. ­ O deserto enche de visões o coração de um homem ­ respondeu o cameleiro. Mas o rapaz lhe contou dos gaviões: estava olhando seu vôo quando tinha mergulhado de repente na Alma do Mundo. O cameleiro ficou quieto; entendia o que o rapaz estava falando. Sabia que qualquer coisa na face da terra pode contar a história de todas as coisas. Se abrisse um livro em qualquer página, ou olhasse as mãos das pessoas, ou cartas de baralho, ou vôo dos pássaros, ou seja lá o que fosse, qualquer pessoa iria encontrar um laço com a coisa que estava vivendo. Na verdade, não eram as coisas que mostravam nada; eram as pessoas que, olhando para as coisas, descobriam a maneira de penetrar na Alma do Mundo. O deserto estava cheio de homens que ganhavam a vida porque podiam penetrar com facilidade na Alma do Mundo. Eram conhecidos por Adivinhos, e temidos por mulheres e velhos. Os Guerreiros raramente os consultavam, porque era impossível entrar numa batalha sabendo quando se vai morrer. Os Guerreiros preferiam o sabor da luta e a emoção do desconhecido; o futuro havia sido escrito por Allah, e o que quer que Ele tivesse escrito, era sempre para o bem do homem. Então os Guerreiros viviam apenas o presente, porque o presente era cheio de surpresas, e eles tinham que prestar atenção em muitas coisas: onde estava a espada do inimigo, onde estava seu cavalo, qual o próximo golpe que devia desferir para salvar a vida. O cameleiro não era Guerreiro, e já havia consultado alguns adivinhos. Muitos disseram coisas certas, outros disseram coisas erradas. Até que um deles, o mais velho (e o mais temido), perguntou porque o cameleiro estava tão interessado em saber o futuro. ­ Para que possa fazer as coisas ­ respondeu o cameleiro. ­ E mudar o que não gostaria que acontecesse. ­ Então deixará de ser seu futuro ­ respondeu o adivinho. ­ Talvez então eu queira saber o futuro para me preparar para as coisas que virão. ­ Se forem coisas boas, isto será uma agradável surpresa ­ disse o adivinho. ­ Se forem coisas ruins, você estará sofrendo muito antes delas acontecerem. ­ Quero saber o futuro porque sou um homem ­ disse o cameleiro para o adivinho. E os homens vivem em função do seu futuro. O adivinho ficou quieto por algum tempo. Ele era especialista no jogo de varetas, que eram atiradas no chão e interpretadas da maneira que caíam. Naquele dia ele não jogou as varetas. Envolveu-as num lenço e tornou a colocar no bolso. ­ Ganho a vida adivinhando o futuro das pessoas ­ disse ele. ­ Conheço a ciência das varetas, e sei como utilizá-la para penetrar neste espaço onde tudo está escrito. Ali posso ler o passado, descobrir o que já foi esquecido, e entender os sinais do presente. "Quando as pessoas me consultam, eu não estou lendo o futuro; estou adivinhando o futuro. Porque o futuro pertence a Deus, e ele só o revela em circunstâncias extraordinárias. E como consigo adivinhar o futuro? Pelos sinais do presente. No presente é que está o segredo; se você prestar atenção no presente, poderá melhorá-lo. E se você melhorar o presente, o que acontecerá depois também será melhor. Esqueça o futuro e viva cada dia de sua vida nos ensinamentos da Lei, e na confiança de que Deus cuida dos seus filhos. Cada dia traz em si a Eternidade". O cameleiro quis saber quais as circunstâncias em que Deus permitia ver o futuro: ­ Quando Ele mesmo o mostra. E Deus mostra o futuro raramente, e por uma única razão: é um futuro que foi escrito para ser mudado. Deus tinha mostrado um futuro ao rapaz, pensou o cameleiro. Porque queria que o rapaz fosse o Seu instrumento. ­ Vá falar com os chefes tribais ­ disse o cameleiro. ­ Conte dos guerreiros que se aproximam. ­ Eles vão rir de mim. ­ São homens do deserto, e os homens do deserto estão acostumados com os sinais. ­ Então já devem saber. ­ Não estão preocupados com isto. Acreditam que se tiverem que saber algo que Allah deseje lhe contar, alguma pessoa lhes dirá isto. Já aconteceu muitas vezes antes. Mas hoje, esta pessoa é você. O rapaz pensou em Fátima. E resolveu ir ver os chefes tribais. ­ Trago sinais do deserto ­ disse ao guarda que ficava na porta da imensa tenda branca no centro do oásis. ­ Quero ver os chefes. O guarda não disse nada. Entrou e demorou-se muito lá dentro. Depois saiu com um árabe jovem, vestido de branco e ouro. O rapaz contou ao jovem o que havia visto. Ele pediu que esperasse um pouco e tornou a entrar. A noite caiu. Entraram e saíram vários árabes e mercadores. Aos poucos as fogueiras foram se apagando, e o oásis começou a ficar tão silencioso como o deserto. Só a luz da grande tenda continuava acesa. Durante todo este tempo, o rapaz pensava em Fátima, ainda sem entender a conversa daquela tarde. Finalmente, depois de muitas horas de espera, o guarda mandou que o rapaz entrasse. O que viu deixou-o extasiado. Nunca poderia imaginar que, no meio do deserto, existisse uma tenda como aquela. O chão estava coberto com os mais belos tapetes que já havia pisado, e do teto pendiam lustres de metal amarelo trabalhado, coberto de velas acessas. Os chefes tribais estavam sentados no fundo da tenda, em semicírculo, descansando seus braços e pernas em almofadas de seda com ricos bordados. Criados entravam e saíam com bandejas de prata cheias de especiarias e chá. Alguns se encarregavam de manter acesas as brasas dos narguilés. Um suave perfume de fumo enchia o ambiente. Haviam oito chefes, mas o rapaz logo percebeu quem era o mais importante: um árabe vestido de branco e ouro, sentado no centro do semicírculo. Ao seu lado estava o jovem árabe com quem tinha conversado antes. ­ Quem é o estrangeiro que fala de sinais? ­ perguntou um dos chefes, olhando para ele. ­ Eu sou ­ respondeu. E contou o que havia visto. ­ E por que o deserto ia contar isto a um estranho, quando sabe que estamos há várias gerações aqui? ­ disse outro chefe tribal. ­ Porque meus olhos ainda não se acostumaram com o deserto ­ respondeu o rapaz. ­ E eu posso ver coisas que os olhos habituados demais não conseguem mais ver. "É porque eu sei da Alma do Mundo", pensou consigo mesmo. Mas não falou nada, porque os árabes não acreditam nestas coisas. ­ O Oásis é um terreno neutro. Ninguém ataca um Oásis ­ disse um terceiro chefe. ­ Eu conto apenas o que vi. Se não quiserem acreditar, não façam nada. Um completo silêncio abateu-se sobre a tenda, seguido de uma exaltada conversa entre os chefes tribais. Falavam num dialeto árabe que o rapaz não entendia, mas quando ele fez menção de ir embora, um guarda disse para ficar. O rapaz começou a sentir medo; os sinais diziam que havia alguma coisa errada. Lamentou haver conversado com o cameleiro a respeito. De repente, o velho que estava no centro deu um sorriso quase imperceptível, e o rapaz tranqüilizou-se. O velho não havia participado da discussão, e não dissera uma palavra até aquele momento. Mas o rapaz já estava acostumado com a Linguagem do Mundo, e pode sentir uma vibração de Paz cruzando a tenda de ponta a ponta. Sua intuição dizia que havia agido corretamente em vir. A discussão acabou. Ficaram em silêncio por algum tempo, ouvindo o velho. Depois, ele se virou para o rapaz: desta vez seu rosto estava frio e distante. ­ Há dois mil anos, numa terra distante, jogaram num poço e venderam como escravo um homem que acreditava em sonhos ­ disse o velho. ­ Nossos mercadores o compraram e o trouxeram para o Egito. E todos nós sabemos que, quem acredita em sonhos, também sabe interpretá-los. "Embora nem sempre consiga realizá-los", pensou o rapaz, lembrando-se da velha cigana. ­ Por causa dos sonhos do faraó com vacas magras e gordas, este homem livrou o Egito da fome. Seu nome era José. Era também um estrangeiro numa terra estrangeira, como você, e devia ter mais ou menos a sua idade. O silêncio continuou. Os olhos do velho se mantinham frios. ­ Sempre seguimos a Tradição. A Tradição salvou o Egito da fome naquela época, e o fez o mais rico entre os povos. A Tradição ensina como os homens devem atravessar o deserto e casar suas filhas. A Tradição diz que um Oásis é um terreno neutro, porque ambos os lados tem Oásis, e são vulneráveis. Ninguém disse qualquer palavra enquanto o velho falava. ­ Mas a Tradição diz também para acreditarmos nas mensagens do deserto. Tudo que sabemos foi o deserto que nos ensinou. O velho fez um sinal e todos os árabes se levantaram. A reunião estava para terminar. Os narguilés foram apagados, e os guardas se colocaram em posição de sentido. O rapaz preparou-se para sair, mas o velho falou ainda mais uma vez: ­ Amanhã nós vamos romper um acordo que diz que ninguém no oásis pode portar armas. Durante o dia inteiro aguardaremos os inimigos. Quando o sol descer no horizonte, os homens me devolverão as armas. Para cada dez inimigos mortos, você receberá uma moeda de ouro. "Entretanto, as armas não podem sair do seu lugar sem experimentarem a batalha. São caprichosas como o deserto, e se as acostumamos com isto, da próxima vez podem ter preguiça de disparar. Se nenhuma delas tiver sido utilizada amanhã, pelo menos uma será usada em você." O oásis estava iluminado apenas pela lua cheia quando o rapaz saiu. Eram vinte minutos de caminhada até sua tenda, e ele começou a andar. Estava assustado com tudo que havia acontecido. Tinha mergulhado na Alma do Mundo, e o preço por acreditar naquilo era a sua vida. Uma aposta alta. Mas tinha apostado alto desde o dia em que havia vendido suas ovelhas para seguir sua Lenda Pessoal. E como dizia o cameleiro, morrer amanhã era tão bom como morrer em qualquer outro dia. Todo dia era feito para ser vivido ou para abandonar o mundo. Tudo dependia apenas de uma palavra: "Maktub". Caminhou em silêncio. Não estava arrependido. Se morresse amanhã, seria porque Deus não estava com vontade de mudar o futuro. Mas teria morrido depois de haver cruzado o estreito, trabalhado em uma loja de cristais, conhecido o silêncio do deserto e os olhos de Fátima. Tinha vivido intensamente cada um dos seus dias, desde que havia saído de casa, há tanto tempo atrás. Se morresse amanhã, seus olhos teriam visto muito mais coisas do que os olhos dos outros pastores, e o rapaz tinha orgulho disto. De repente ouviu um estrondo, e foi jogado subitamente por terra, com o impacto de um vento que não conhecia. O lugar encheu-se de poeira, que quase cobriu a lua. Na sua frente, um enorme cavalo branco empinou soltando um relincho aterrador. O rapaz mal podia ver o que se passava, mas quando a poeira assentou um pouco, sentiu um pavor que jamais havia sentido antes. Em cima do cavalo estava um cavaleiro todo vestido de negro, com um falcão em seu ombro esquerdo. Usava um turbante e um lenço que lhe cobria todo o rosto, deixando apenas os olhos de fora. Parecia o mensageiro do deserto, mas sua presença era mais forte do que todas as pessoas que havia conhecido na vida. O estranho cavaleiro puxou a enorme espada curva que trazia presa à sela. O aço brilhou com a luz da lua. ­ Quem ousou ler o vôo dos gaviões? ­ perguntou com uma voz tão forte que pareceu ecoar entre as cinqüenta mil tamareiras do Al-fayoum. ­ Eu ousei ­ disse o rapaz. Lembrou-se imediatamente da imagem de Santiago Matamouros do seu cavalo branco com os infiéis sob as patas. Era exatamente assim. Só que agora a situação estava invertida. ­ Eu ousei ­ repetiu o rapaz, e abaixou a cabeça para receber o golpe da espada. ­ Muitas vidas serão salvas, porque vocês não contavam com a Alma do Mundo. A espada, porém, não desceu rápido. A mão do estranho foi abaixando lentamente, até que a ponta da lâmina tocou na testa do rapaz. Era tão afiada que saiu uma gota de sangue. O cavaleiro estava completamente imóvel. O rapaz também. Não pensou um minuto sequer em fugir. Dentro do seu coração, uma estranha alegria tomou conta dele: ia morrer por sua Lenda Pessoal. E por Fátima. Os sinais eram verdadeiros, enfim. Ali estava o Inimigo, e por causa disto ele não precisava se preocupar com a morte, porque havia uma Alma do Mundo. Daqui a pouco ele estaria fazendo parte dela. E amanhã o Inimigo faria parte dela também. O estranho, porém, apenas mantinha a espada em sua testa. ­ Por que você leu o vôo dos pássaros? ­ Li apenas o que os pássaros queriam contar. Eles querem salvar o oásis, e vocês morrerão. O oásis tem mais homens que vocês. A espada continuava em sua testa. ­ Quem é você para mudar o destino de Allah? ­ Allah fez os exércitos, e fez também os pássaros. Allah me mostrou a linguagem dos pássaros. Tudo foi escrito pela mesma Mão, ­ disse o rapaz, lembrando as palavras do cameleiro. O estranho finalmente retirou a espada da testa. O rapaz sentiu um certo alívio. Mas não podia fugir. ­ Cuidado com as adivinhações ­ disse o estranho. ­ Quando as coisas estão escritas, não há como evitá-las. ­ Apenas vi um exército ­ disse o rapaz. ­ Não vi o resultado de uma batalha. O cavaleiro parecia contente com a resposta. Mas mantinha a espada na sua mão. ­ O que faz um estrangeiro numa terra estrangeira? ­ Busco minha Lenda Pessoal. Algo que você não entenderá nunca. O cavaleiro colocou a espada na bainha, e o falcão no seu ombro deu um grito estranho. O rapaz começou a relaxar. ­ Precisava testar sua coragem ­ disse o estranho. ­ A coragem é o dom mais importante para quem busca a Linguagem do Mundo. O rapaz ficou surpreso. Aquele homem estava falando em coisas que pouca gente conhecia. ­ É preciso não relaxar nunca, mesmo tendo chegado tão longe ­ continuou ele. ­ É preciso amar o deserto, mas jamais confiar inteiramente nele. Porque o deserto é uma prova para todos os homens: testa cada passo, e mata quem se distrai. Suas palavras lembravam as palavras do velho rei. ­ Se os guerreiros chegarem, e sua cabeça ainda estiver sobre o pescoço depois que o sol morrer, me procure ­ disse o estranho. A mesma mão que havia segurado a espada, empunhou um chicote. O cavalo empinou de novo, levantando uma nuvem de poeira. ­ Onde você mora? ­ gritou o rapaz, enquanto o cavaleiro se afastava. A mão com chicote apontou em direção ao sul. O rapaz tinha encontrado o Alquimista. Na manhã seguinte haviam dois mil homens armados entre as tamareiras de Al-Fayoum. Antes que o sol chegasse ao topo do céu, quinhentos guerreiros apareceram no horizonte. Os cavaleiros entraram no oásis pela parte norte; parecia uma expedição de paz, mas haviam armas escondidas sobre os mantos brancos. Quando chegaram perto da grande tenda que ficava no centro de Al-Fayoum, puxaram as cimitarras e as espingardas. E atacaram uma tenda vazia. Os homens do oásis cercaram os cavaleiros do deserto. Em meia hora haviam quatrocentos e noventa e nove corpos espalhados pelo chão. As crianças estavam no outro extremo do bosque de tamareiras, e não viram nada. As mulheres rezavam por seus maridos nas tendas, e também não viram nada. Não fosse pelos corpos espalhados, o oásis parecia viver um dia normal. Apenas um guerreiro foi poupado, o comandante do batalhão. De tarde ele foi conduzido diante dos chefes tribais, que lhe perguntaram porque havia rompido a Tradição. O comandante disse que seus homens estavam com fome e sede, exaustos por tantos dias de batalha, e haviam decidido tomar um oásis para poder recomeçar a luta. O chefe tribal disse que sentia pelos guerreiros, mas a Tradição jamais pode ser rompida. A única coisa que muda no deserto são as dunas, quando sopra o vento. Depois condenou o comandante a uma morte sem honra. Ao invés do aço ou da bala de fuzil, ele foi enforcado numa tamareira também morta. Seu corpo balançou com o vento do deserto. O chefe tribal chamou o estrangeiro e lhe deu cinqüenta moedas de ouro. Depois tornou a recordar a história de José no Egito, e pediu para que fosse o Conselheiro do Oásis. Quando o sol se pôs por completo, e as primeiras estrelas começaram a aparecer (não brilhavam muito, porque a lua cheia continuava), o rapaz andou em direção ao sul. Havia apenas uma tenda, e alguns árabes que passavam diziam que o lugar era cheio de djins. Mas o rapaz sentou-se e esperou durante muito tempo. O Alquimista apareceu quando a lua já estava alto no céu. Trazia dois gaviões mortos no ombro. ­ Aqui estou ­ disse o rapaz. ­ Não devia estar ­ respondeu o Alquimista. ­ Ou sua Lenda Pessoal era chegar até aqui? ­ Existe uma guerra entre os clãs. Não é possível cruzar o deserto. O Alquimista desceu do seu cavalo, e fez um sinal para que o rapaz entrasse com ele na tenda. Era uma tenda igual a todas as outras que havia conhecido no oásis ­ exceto a grande tenda central, que tinha o luxo dos contos de fada. ­ Ele procurou os aparelhos e fornos de alquimia, mas não encontrou nada. Havia apenas uns poucos livros empilhados, um fogão para cozinhar, e os tapetes cheios de desenhos misteriosos. ­ Sente-se, que vou preparar um chá ­ disse o Alquimista. E comeremos juntos estes gaviões. O rapaz suspeitou que eram os mesmos pássaros que havia visto no dia anterior, mas não disse nada. O Alquimista acendeu o fogo, e em pouco tempo um delicioso cheiro de carne enchia a tenda. Era melhor que o perfume dos narguilés. ­ Por que quis me ver? ­ disse o rapaz. ­ Por causa dos sinais ­ respondeu o Alquimista ­ O vento me contou que você viria. E que ia precisar de ajuda. ­ Não sou eu. É o outro estrangeiro, o Inglês. Ele é que o estava buscando. ­ Ele tem que encontrar outras coisas antes de me encontrar. Mas está no caminho certo. Passou a olhar o deserto. ­ E eu? ­ Quando se quer uma coisa, todo o Universo conspira para que a pessoa consiga realizar seu sonho ­ disse o Alquimista, repetindo as palavras do velho rei. O rapaz entendeu. Outro homem estava no seu caminho, para conduzi-lo até sua Lenda Pessoal. ­ Então você vai me ensinar? ­ Não. Você já sabe de tudo que precisa. Vou apenas lhe fazer seguir em direção ao seu tesouro. ­ Existe uma guerra entre os clãs. ­ repetiu o rapaz. ­ Eu conheço o deserto. ­ Já encontrei meu tesouro. Tenho um camelo, o dinheiro das lojas de cristais, e cinqüenta moedas de ouro. Posso ser um homem rico na minha terra. ­ Mas nada disto está perto das Pirâmides ­ disse o Alquimista. ­ Tenho Fátima. É um tesouro maior que todo este que consegui juntar. ­ Também ela não está perto das Pirâmides. Comeram os gaviões em silêncio. O Alquimista abriu uma garrafa e derramou um líquido vermelho no copo do rapaz. Era vinho, um dos melhores vinhos que havia tomado em sua vida. Mas o vinho era proibido pela lei. ­ O mal não é o que entra na boca do homem ­ disse o Alquimista. ­ O mal é o que sai dela. O rapaz começou a sentir-se alegre com o vinho. Mas o Alquimista lhe inspirava medo. Sentaram-se do lado de fora da tenda, olhando o brilho da lua, que ofuscava as estrelas. ­ Beba e se distraia um pouco ­ disse o Alquimista, notando que o rapaz começava a ficar cada vez mais alegre. ­ Repouse como um guerreiro sempre repousa antes do combate. Mas não esqueça que o seu coração está onde está o seu tesouro. E que seu tesouro precisa ser encontrado, para que tudo isto que você descobriu no caminho possa fazer sentido. "Amanhã venda seu camelo e compre um cavalo. Os camelos são traiçoeiros: andam milhares de passos, e não dão qualquer sinal de cansaço. De repente, porém, ajoelham e morrem. Os cavalos vão se cansando aos poucos. E você poderá saber sempre o quanto pode pedir deles, ou a época em que vão morrer". Na noite seguinte o rapaz apareceu com um cavalo na tenda do Alquimista. Esperou um pouco e ele apareceu, montado em seu animal, e com o falcão no ombro esquerdo. ­ Mostre-me a vida no deserto ­ disse o Alquimista. ­ Só quem acha vida, pode encontrar tesouros. Começaram a caminhar pelas areias, com a lua ainda brilhando sobre os dois. "Não sei se vou conseguir encontrar vida no deserto", pensou o rapaz. "Não conheço ainda o deserto". Quis virar-se e dizer isto ao Alquimista, mas tinha medo dele. Chegaram ao lugar de pedras, onde o rapaz havia visto os gaviões no céu; entretanto, tudo era silêncio e vento. ­ Não consigo encontrar vida no deserto ­ disse o rapaz. Sei que ela existe, mas não consigo encontrá-la. ­ A vida atrai a vida ­ respondeu o Alquimista. E o rapaz entendeu. Na mesma hora soltou as rédeas de seu cavalo e ele saiu livremente pelas pedras e areia. O Alquimista seguia em silêncio, e o cavalo do rapaz andou por quase meia-hora. Já não podiam mais ver as tamareiras do oásis, apenas a lua gigantesca no céu, e as rochas brilhando com a cor prata. De repente, num lugar onde jamais havia estado antes, o rapaz notou que seu cavalo parava. ­ Aqui existe vida ­ respondeu o rapaz ao Alquimista. ­ Não conheço a linguagem do deserto, mas meu cavalo conhece a linguagem da vida. Desmontaram. O Alquimista não disse nada. Começou a olhar as pedras, caminhando devagar. De repente, ele parou, e abaixou-se com todo cuidado. Havia um buraco no chão, entre as pedras; o Alquimista enfiou a mão dentro do buraco, e depois enfiou o braço até o ombro. Alguma coisa se mexeu lá dentro, e os olhos do Alquimista ­ ele só podia ver os olhos ­ se encolherem de esforço e tensão. O braço parecia lutar com o que estava dentro do buraco. Mas num salto que assustou o rapaz, o Alquimista retirou o braço e ficou imediatamente de pé. Sua mão trazia unia serpente agarrada pelo rabo. O rapaz também deu um salto, só que para trás. A cobra debatia-se sem cessar, emitindo ruídos e silvos que feriam o silêncio do deserto. Era uma naja, cujo veneno podia matar um homem em poucos minutos. "Cuidado com o veneno", chegou a pensar o rapaz. Mas o Alquimista havia colocado a mão no buraco, e já devia ter sido mordido. Seu rosto, porém, estava tranqüilo. "O Alquimista tem duzentos anos", havia falado o Inglês. Já devia saber como lidar com cobras no deserto. O rapaz viu quando seu companheiro foi até o cavalo e puxou a longa espada em forma de meia-lua. Com ela, traçou um círculo no chão e colocou a cobra no meio. O animal aquietou-se imediatamente ­ Pode ficar tranqüilo ­ disse o Alquimista. ­ Ela não vai sair dali. E você descobriu a vida no deserto, o sinal que eu estava precisando. ­ Por que isto era tão importante? ­ Porque as Pirâmides estão cercadas de deserto. O rapaz não queria ouvir falar nas Pirâmides. Seu coração estava pesado e triste, desde a noite anterior. Porque seguir em busca do seu tesouro, significava ter que abandonar Fátima. ­ Vou guiá-lo pelo deserto ­ falou o Alquimista. ­ Quero ficar no oásis ­ respondeu o rapaz. ­ Já encontrei Fátima. E ela, para mim, vale mais que o tesouro. ­ Fátima é uma mulher do deserto ­ disse o Alquimista. ­ Sabe que os homens devem partir, para poderem voltar. Ela já encontrou seu tesouro: você. Agora espera que você encontre o que busca. ­ E se eu resolver ficar? ­ Será o Conselheiro do Oásis. Tem ouro suficiente para comprar muitas ovelhas e muitos camelos. Vai casar-se com Fátima e viverão felizes o primeiro ano. Aprenderá a amar o deserto e vai conhecer cada uma das cinqüenta mil tamareiras. Perceberá como elas crescem, mostrando um mundo que muda sempre. E irá cada vez entender mais os sinais, porque o deserto é um mestre melhor que todos os mestres. "No segundo ano você se lembrará que existe um tesouro. Os sinais começarão a falar insistentemente sobre isto, e você tentará ignorá-los. Usará seu conhecimento apenas para o bem-estar do oásis e dos seus habitantes. Os chefes tribais lhe agradecerão por isto. Os seus camelos lhe trarão riqueza e poder. "No terceiro ano os sinais continuarão a falar sobre seu tesouro e sua Lenda Pessoal. Você vai ficar noites e noites andando pelo oásis, e Fátima será uma mulher triste, porque fez com que seu caminho fosse interrompido. Mas você lhe dará amor, e será correspondido. Você vai se lembrar que ela jamais pediu que ficasse, porque uma mulher do deserto sabe esperar seu homem. Por isso não vai culpá-la. Mas vai andar muitas noites pelas areias do deserto, e por entre as tamareiras, pensando que talvez pudesse ter ido adiante, ter confiado mais no seu amor por Fátima. Porque o que o manteve no oásis foi seu próprio medo de não voltar nunca. E a esta altura, os sinais lhe indicarão que seu tesouro está enterrado para sempre. No quarto ano, os sinais o abandonarão, porque você não quis ouvi-los. Os Chefes Tribais irão entender isto, e você será destituído do Conselho. A esta altura será um rico comerciante, com muitos camelos e muitas mercadorias. Mas passará o resto dos seus dias vagando entre as tamareiras e o deserto, sabendo que não cumpriu sua Lenda Pessoal, e que agora é tarde demais para isto. "Sem jamais compreender que o Amor nunca impede um homem de seguir sua Lenda Pessoal. Quando isto acontece, é porque não era o verdadeiro Amor, aquele que fala a Linguagem do Mundo". O Alquimista desfez o círculo no chão, e a cobra correu e desapareceu entre as pedras. O rapaz lembrava o mercador de cristais que sempre quis ir à Meca, e o Inglês que buscava um Alquimista. O ra