paz lembrava de uma mulher que confiou no deserto, e o deserto um dia lhe trouxe a pessoa que desejava amar. Montaram em seus cavalos, e desta vez foi o rapaz que seguiu o Alquimista. O vento trazia os ruídos do oásis, e ele tentava identificar a voz de Fátima. Naquele dia não tinha ido ao poço por causa da batalha. Mas esta noite, enquanto olhavam uma cobra dentro de um círculo, o estranho cavaleiro com seu falcão no ombro havia falado de amor e de tesouros, das mulheres do deserto e da sua Lenda Pessoal. ­ Vou com você ­ disse o rapaz. E imediatamente sentiu paz no seu coração. ­ Partimos amanhã antes que o sol nasça ­ foi a única resposta do Alquimista. O rapaz passou a noite inteira em claro. Duas horas antes do amanhecer, acordou um dos rapazes que dormia na sua tenda, e pediu para lhe mostrar onde morava Fátima. Saíram juntos, e foram até lá. Em troca, o rapaz lhe deu dinheiro para comprar uma ovelha. Depois pediu que descobrisse onde Fátima dormia, e que lhe acordasse e dissesse que o rapaz a estava esperando. O jovem árabe fez isto, e em troca ganhou dinheiro para comprar outra ovelha. ­ Agora deixe-nos a sós ­ disse o rapaz ao jovem árabe, que voltou à sua tenda para dormir, orgulhoso de haver ajudado o Conselheiro do Oásis; e contente por ter dinheiro para comprar ovelhas. Fátima apareceu na porta da tenda. Os dois saíram para andar entre as tamareiras. O rapaz sabia que era contra a Tradição, mas isto não tinha nenhuma importância agora. ­ Vou partir ­ disse. E quero que saiba que vou voltar. Eu te amo porque... ­ Não diga nada ­ interrompeu Fátima. ­ Ama-se porque se ama. Não há qualquer razão para amar. Mas o rapaz continuou: ­ Eu te amo porque tive um sonho, encontrei um rei, vendi cristais, cruzei o deserto, os clãs declararam guerra, e estive num poço para saber onde morava um Alquimista. Eu te amo porque todo o Universo conspirou para que eu chegasse até você. ­ Os dois se abraçaram. Era a primeira vez que um corpo tocava no outro. ­ Voltarei ­ repetiu o rapaz. ­ Antes eu olhava o deserto com desejo ­ disse Fátima. Agora será com esperança. Meu pai um dia partiu, mas voltou para minha mãe, e continua voltando sempre. E não disseram mais nada. Andaram um pouco entre as tamareiras, e o rapaz a deixou na porta da tenda. ­ Voltarei como seu pai voltou para a sua mãe ­ disse. Reparou que os olhos de Fátima estavam cheios d'água. ­ Você chora? ­ Sou uma mulher do deserto ­ disse ela, escondendo o rosto. ­ Mas acima de tudo, sou uma mulher. Fátima entrou na tenda. Daqui a pouco o sol ia aparecer. Quando o dia chegasse, ela ia sair e fazer aquilo que havia feito durante tantos anos; mas tudo havia mudado. O rapaz já não estava mais no oásis, e o oásis não teria mais o significado que tinha até pouco tempo antes. Não seria mais o lugar com cinqüenta mil tamareiras e trezentos poços, onde os peregrinos chegavam contentes depois de uma longa viagem. O oásis, daquele dia em diante, seria um lugar vazio para ela. A partir daquele dia, o deserto ia ser mais importante. Iria olhar para ele sempre, tentando saber qual estrela o rapaz estava seguindo em busca do tesouro. Haveria de mandar seus beijos pelo vento, na esperança de que ele tocasse o rosto do rapaz, e lhe contasse que estava viva, esperando por ele, como uma mulher espera um homem de coragem, que segue em busca de sonhos e tesouros. A partir daquele dia, o deserto ia ser apenas uma coisa: a esperança de sua volta. ­ Não pense no que ficou para trás ­ disse o Alquimista, quando começaram a cavalgar pelas areias do deserto. ­ Tudo está gravado na Alma do Mundo, e ali permanecerá para sempre. ­ Os homens sonham mais com a volta do que com a partida ­ disse o rapaz, que já estava se acostumando de novo com o silêncio do deserto. ­ Se o que você encontrou é feito de matéria pura, jamais apodrecerá. E você poderá voltar um dia. Se foi apenas um momento de luz, como a explosão de uma estrela, então não vai encontrar nada quando voltar. Mas terá visto uma explosão de luz. E só isto já valeu a pena. O homem falava em linguagem de alquimia. Mas o rapaz sabia que ele estava se referindo à Fátima. Era difícil não pensar no que havia ficado para trás. O deserto, com sua paisagem quase sempre igual, costumava encher-se de sonhos. O rapaz ainda via as tamareiras, os poços, e o rosto da mulher amada. Via o Inglês com seu laboratório, e o cameleiro que era um mestre e não sabia. "Talvez o Alquimista jamais tenha amado", pensou o rapaz. O Alquimista cavalgava na sua frente, com o falcão nos ombros. O falcão conhecia bem a linguagem do deserto, e quando paravam, ele saía do ombro do Alquimista e voava em busca de alimento. No primeiro dia trouxe uma lebre. No segundo dia trouxe dois pássaros. De noite, estendiam seus cobertores e não acendiam fogueiras. As noites do deserto eram frias, e foram ficando escuras à medida que a lua começou a diminuir no céu. Durante uma semana andaram em silêncio, conversando apenas sobre as precauções necessárias para evitar os combates entre os clãs. A guerra continuava, e o vento às vezes trazia o cheiro adocicado de sangue. Alguma batalha havia sido travada por perto, e o vento recordava ao rapaz que havia a Linguagem dos Sinais, sempre pronta para mostrar o que seus olhos não conseguiam ver. Quando completaram sete dias de viagem, o Alquimista resolveu acampar mais cedo do que de costume. O falcão saiu em busca de caça, e ele tirou o cantil de água e ofereceu ao rapaz. ­ Você agora está quase no final da viagem ­ disse o Alquimista. ­ Meus parabéns por haver seguido sua Lenda Pessoal. ­ E você está me guiando em silêncio ­ disse o rapaz. ­ Pensei que ia me ensinar aquilo que sabe. Faz algum tempo que estive no deserto com um homem que tinha livros de Alquimia. Mas não consegui aprender nada. ­ Só existe uma maneira de aprender ­ respondeu o Alquimista ­ É através da ação. Tudo que você precisava saber, a viagem lhe ensinou. Falta apenas uma coisa. O rapaz quis saber o que era, mas o Alquimista manteve os olhos fixos no horizonte, esperando pela volta do falcão. ­ Por que o chamam de Alquimista? ­ Porque sou. ­ E o que havia de errado com os outros alquimistas, que buscaram ouro e não conseguiram? ­ Buscavam apenas ouro ­ respondeu seu companheiro. ­ Buscavam o tesouro de sua Lenda Pessoal, sem desejarem viver a própria Lenda. ­ O que me falta saber? ­ insistiu o rapaz. Mas o Alquimista continuou olhando o horizonte. Depois de algum tempo o falcão retornou com a comida. Cavaram um buraco e acenderam a fogueira dentro dele, para que ninguém pudesse ver a luz das chamas. ­ Sou um Alquimista porque sou um Alquimista ­ disse ele, enquanto preparavam a comida. ­ Aprendi a ciência de meus avós, que aprenderam de seus avós, e assim até a criação do mundo. Naquela época, toda a ciência da Grande Obra podia ser escrita numa simples esmeralda. Mas os homens não deram importância às coisas simples, e começaram a escrever tratados, interpretações, e estudos filosóficos. Começaram também a dizer que sabiam melhor o caminho que os outros. "Mas a Táboa da Esmeralda continua viva até hoje". ­ O que estava escrito na Táboa da Esmeralda? ­ quis saber o rapaz. O Alquimista começou a desenhar na areia, e não demorou mais do que cinco minutos. Enquanto ele desenhava, o rapaz lembrou-se do velho rei, e da praça onde haviam se encontrado um dia; parecia que tinham se passado muitos e muitos anos. ­ Isto estava escrito na Táboa da Esmeralda ­ disse o Alquimista, quando acabou de escrever. O rapaz aproximou-se e leu as palavras na areia. ­ É um código ­ disse o rapaz, um pouco decepcionado com a Táboa da Esmeralda. ­ Parece com os livros do Inglês. ­ Não ­ respondeu o Alquimista. ­ É como o vôo dos gaviões; não deve ser compreendida simplesmente pela razão. A Táboa da Esmeralda é uma passagem direta para a Alma do Mundo. "Os sábios entenderam que este mundo natural é apenas uma imagem e uma cópia do Paraíso. A simples existência deste mundo é a garantia de que existe um mundo mais perfeito que ele. Deus o criou para que, através das coisas visíveis, os homens pudessem compreender seus ensinamentos espirituais, e as maravilhas de sua sabedoria. Isto é que eu chamo de Ação". ­ Devo entender a Táboa da Esmeralda? ­ perguntou o rapaz. ­ "Talvez, se você estivesse num laboratório de Alquimia, agora seria o momento certo para estudar a melhor maneira de entender a Táboa da Esmeralda. Entretanto, você está no Deserto. Então mergulhe no deserto. Ele serve para compreender o mundo tanto como qualquer outra coisa sobre a face da terra. Você nem precisa de entender o deserto: basta contemplar um simples grão de areia, e verá nele todas as maravilhas da Criação". ­ Como faço para mergulhar no deserto? ­ Escute seu coração. Ele conhece todas as coisas, porque veio da Alma do Mundo, e um dia retornará para ela. Andaram em silêncio mais dois dias. O Alquimista estava muito mais cauteloso, porque se aproximavam da zona de combates mais violentos. E o rapaz procurava escutar seu coração. Era um coração difícil; antes estava acostumado a partir sempre, e agora queria chegar a todo custo. Às vezes, seu coração ficava muitas horas contando histórias de saudades, outras vezes se emocionava com o nascer do sol no deserto, e fazia o rapaz chorar escondido. O coração batia mais rápido quando falava para o rapaz sobre o tesouro e ficava mais vagaroso quando os olhos do rapaz se perdiam no horizonte sem fim do deserto. Mas nunca estava em silêncio, mesmo que o rapaz não trocasse uma palavra com o Alquimista. ­ Por que temos que escutar o coração? ­ perguntou o rapaz quando acamparam aquele dia. ­ Porque, onde ele estiver, é onde estará o seu tesouro. ­ Meu coração é agitado ­ disse o rapaz. ­ Tem sonhos, se emociona, e está apaixonado por uma mulher do deserto. Ele me pede coisas e não me deixa dormir muitas noites, quando penso nela. ­ É bom. Seu coração está vivo. Continue a ouvir o que ele tem para dizer. Nos três dias seguintes os dois passaram por alguns guerreiros, e viram outros guerreiros no horizonte. O coração do rapaz começou a falar sobre o medo. Contava para o rapaz histórias que tinha ouvido da Alma do Mundo, histórias de homens que foram em busca de seus tesouros e jamais o encontraram. Às vezes assustava o rapaz com o pensamento de que poderia não conseguir o tesouro, ou poderia morrer no deserto. Outras vezes dizia para o rapaz que já estava satisfeito, que já havia encontrado um amor e muitas moedas de ouro. ­ Meu coração é traiçoeiro ­ disse o rapaz ao Alquimista, quando eles pararam para descansar um pouco os cavalos. ­ Não quer que eu continue. ­ Isto é bom ­ respondeu o Alquimista. ­ Prova que seu coração está vivo. É natural ter medo de trocar por um sonho tudo aquilo que já se conseguiu. ­ Então, para que devo escutar meu coração? ­ Porque você não vai conseguir jamais mantê-lo calado. E mesmo que finja não escutar o que ele diz, ele estará dentro do seu peito, repetindo sempre o que pensa sobre a vida e o mundo. ­ Mesmo que ele seja traiçoeiro? ­ A traição é o golpe que você não espera. Se você conhecer bem seu coração, ele jamais conseguirá isto. Porque você conhecerá seus sonhos e seus desejos, e saberá lidar com eles. "Ninguém consegue fugir do seu coração. Por isso é melhor escutar o que ele fala. Para que jamais venha um golpe que você não espera". O rapaz continuou a escutar seu coração, enquanto caminhavam pelo deserto. Passou a conhecer suas artimanhas e seus truques, e passou a aceitá-lo como era. Então o rapaz deixou de ter medo, e deixou de ter vontade de voltar, porque certa tarde o seu coração lhe disse que estava contente. "Mesmo que eu reclame um pouco", dizia seu coração, "é porque sou um coração de homem, e os corações de homens são assim. Têm medo de realizar seus maiores sonhos, porque acham que não o merecem, ou não vão consegui-los. Nós, os corações, morremos de medo só de pensar em amores que partiram para sempre, em momentos que poderiam ter sido bons e que não foram, em tesouros que poderiam ter sido descobertos e ficaram para sempre escondidos na areia. Porque quando isto acontece, terminamos sofrendo muito". ­ Meu coração tem medo de sofrer ­ disse o rapaz para o Alquimista, uma noite em que olhavam o céu sem lua. ­ Diga para ele que o medo de sofrer é pior do que o próprio sofrimento. E que nenhum coração jamais sofreu quando foi em busca de seus sonhos, porque cada momento de busca é um momento de encontro com Deus e com a Eternidade. "Cada momento de busca é um momento de encontro", disse o rapaz ao seu coração. "Enquanto procurei meu tesouro, todos os dias foram dias luminosos, porque eu sabia que cada hora fazia parte do sonho de encontrar. Enquanto procurei este meu tesouro, descobri no caminho coisas que jamais teria sonhado encontrar, se não tivesse tido a coragem de tentar coisas impossíveis aos pastores". Então seu coração ficou quieto por uma tarde inteira. De noite, o rapaz dormiu tranqüilo, e quando acordou, o seu coração começou a lhe contar as coisas da Alma do Mundo. Disse que todo homem feliz era um homem que trazia Deus dentro de si. E que a felicidade poderia ser encontrada num simples grão de areia do deserto, como o Alquimista havia falado. Porque um grão de areia é um momento da Criação, e o Universo demorou milhares de milhões de anos para criá-lo. "Cada homem na face da Terra tem um tesouro que está esperando por ele", disse seu coração. Nós, os corações, costumamos falar pouco destes tesouros, porque os homens já não querem mais encontrá-los. Só falamos dele para as crianças. Depois deixamos que a vida encaminhe cada um em direção ao seu destino. Mas, infelizmente, poucos seguem o caminho que lhes está traçado, e que é o caminho da Lenda Pessoal, e da felicidade. Acham o mundo uma coisa ameaçadora ­ e por causa disto o mundo se torna uma coisa ameaçadora. "Então nós, os corações, vamos falando cada vez mais baixo, mas não nos calamos nunca. E torcemos para que nossas palavras não sejam ouvidas: não queremos que os homens sofram porque não seguiram seus corações". ­ Por que os corações não contam aos homens que devem continuar seguindo seus sonhos? ­ perguntou o rapaz ao Alquimista. ­ Porque, neste caso, o coração é o que sofre mais. E os corações não gostam de sofrer. O rapaz entendeu seu coração a partir daquele dia. Pediu que nunca mais o deixasse. Pediu que, quando estivesse longe de seus sonhos, o coração apertasse no peito e desse o sinal de alarme. O rapaz jurou que sempre que escutasse este sinal, também o seguiria. Naquela noite conversou tudo com o Alquimista. E o Alquimista entendeu que o coração do rapaz havia voltado para a Alma do Mundo . ­ O que faço agora? ­ perguntou o rapaz. ­ Siga em direção às Pirâmides ­ disse o Alquimista. ­ E continue atento aos sinais. Seu coração já é capaz de lhe mostrar o tesouro. ­ Era isto que estava faltando saber? ­ Não. ­ respondeu o Alquimista. ­ O que está faltando saber é o seguinte: "Sempre antes de realizar um sonho, a Alma do Mundo resolve testar tudo aquilo que foi aprendido durante a caminhada. Ela faz isto não porque seja má, mas para que possamos, junto com o nosso sonho, conquistar também as lições que aprendemos seguindo em direção a ele. É o momento em que a maior parte das pessoas desiste. É o que chamamos, em linguagem do deserto, de `morrer de sede quando as tamareiras já apareceram no horizonte' ". "Uma busca começa sempre com a Sorte de Principiante. E termina sempre com a Prova do Conquistador". O rapaz lembrou-se de um velho provérbio de sua terra. Dizia que a hora mais escura era a que vinha antes do sol nascer. No dia seguinte apareceu o primeiro sinal concreto de perigo. Três guerreiros se aproximaram e perguntaram o que os dois estavam fazendo por ali. ­ Vim caçar com o meu falcão ­ respondeu o Alquimista. ­ Precisamos revistá-los para ver se não levam armas ­ disse um dos guerreiros. O Alquimista desceu devagar de seu cavalo. O rapaz fez o mesmo. ­ Para quê tanto dinheiro? ­ perguntou o guerreiro, quando viu a bolsa do rapaz. ­ Para chegar ao Egito ­ disse ele. O guarda que estava revistando o Alquimista encontrou um pequeno frasco de cristal cheio de líquido, e um ovo de vidro amarelado, pouco maior que o ovo de uma galinha. ­ Que são estas coisas? ­ perguntou o guarda. ­ É a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. É a grande obra dos Alquimistas. Quem tomar este elixir jamais ficará doente, e uma lasca desta pedra transforma qualquer metal em ouro. Os guardas riram pra valer, e o Alquimista riu com eles. Tinham achado a resposta muito engraçada, e os deixaram partir sem maiores contratempos, com todos os seus pertences. ­ Você está louco? ­ perguntou o rapaz ao Alquimista, quando já haviam se distanciado bastante. ­ Para que você fez isto? ­ Para mostrar a você uma simples lei do mundo ­ respondeu o Alquimista. ­ Quando temos os grandes tesouros diante de nós, nunca percebemos. E sabe por quê? Porque os homens não acreditam em tesouros. Continuaram andando pelo deserto. A cada dia que passava, o coração do rapaz ia ficando mais silencioso. Já não queria saber das coisas passadas ou das coisas futuras; contentava-se em contemplar também o deserto, e beber junto com o rapaz da Alma do Mundo. Ele e seu coração tornaram-se grandes amigos ­ um passou a ser incapaz de trair o outro. Quando o coração falava, era para dar estímulo e força ao rapaz, que às vezes achava terrivelmente maçante os dias de silêncio. O coração contou-lhe pela primeira vez suas grandes qualidades: sua coragem ao abandonar as ovelhas, ao viver sua Lenda Pessoal, e seu entusiasmo na loja de cristais. Contou-lhe também mais uma coisa, que o rapaz nunca havia notado: os perigos que passaram perto e que ele nunca tinha percebido. Seu coração disse que certa vez havia escondido a pistola que ele havia roubado do pai, pois havia uma grande chance de que se ferisse com ela. E lembrou um dia que o rapaz havia passado mal em pleno campo, vomitado, e depois dormido por muito tempo: haviam dois assaltantes mais adiante, que estavam planejando roubar suas ovelhas, e assassiná-lo. Mas como o rapaz não aparecia, resolveram ir embora, achando que ele tinha mudado de rota. ­ Os corações sempre ajudam os homens? ­ perguntou o rapaz ao Alquimista. ­ Só os que vivem sua Lenda Pessoal. Mas ajudam muito as crianças, os bêbados, e os velhos. ­ Quer dizer então que não há perigo? ­ Quer dizer apenas que os corações se esforçam ao máximo ­ respondeu o Alquimista. Certa tarde passaram pelo acampamento de um dos clãs. Haviam árabes em vistosas roupas brancas, com armas ensilhadas em todos os cantos. Os homens fumavam narguilé e conversavam sobre os combates. Ninguém prestou maior atenção aos dois viajantes. ­ Não há qualquer perigo ­ disse o rapaz, quando já tinham se afastado um pouco do acampamento. O Alquimista ficou furioso. ­ Confie em seu coração ­ disse, mas não se esqueça de que você está no deserto. Quando os homens estão em guerra, a Alma do Mundo também sente os gritos de combate. Ninguém deixa de sofrer as conseqüências de cada coisa que se passa debaixo do sol. "Tudo é uma coisa única", pensou o rapaz. E como se o deserto quisesse mostrar que o velho Alquimista estava certo, dois cavaleiros surgiram por detrás dos viajantes. ­ Não podem seguir adiante ­ disse um deles. ­ Vocês estão nas areias onde os combates são travados. ­ Não vou muito longe ­ respondeu o Alquimista, olhando fundo nos olhos dos guerreiros. Eles ficaram quietos por alguns minutos, e depois concordaram com a viagem dos dois. O rapaz assistiu aquilo tudo fascinado. ­ Você dominou os guardas com o olhar ­ comentou ele. ­ Os olhos mostram a força da alma ­ respondeu o Alquimista. Era verdade, pensou o rapaz. Havia percebido que, no meio da multidão de soldados no acampamento, um deles estava olhando fixo para os dois. E estava tão distante, que não dava sequer para ver direito sua face. Mas o rapaz tinha certeza de que estava olhando para eles. Finalmente, quando começaram a cruzar uma montanha que se estendia por todo o horizonte, o Alquimista disse que faltavam dois dias para chegarem até às Pirâmides. ­ Se vamos nos separar logo ­ respondeu o rapaz ­ me ensine Alquimia. ­ Você já sabe. É penetrar na Alma do Mundo, e descobrir o tesouro que ela reservou para nós. ­ Não é isto que quero saber. Falo de transformar chumbo em ouro. O Alquimista respeitou o silêncio do deserto, e só respondeu ao rapaz quando pararam para comer. ­ Tudo no Universo evolui ­ disse ele. ­ E para os sábios, o ouro é o metal mais evoluído. Não pergunte porquê; não sei. Sei apenas que a Tradição está sempre certa. "Os homens é que não interpretaram bem as palavras dos sábios. E ao invés de símbolo de evolução, o ouro passou a ser o sinal das guerras. ­ As coisas falam muitas linguagens ­ disse o rapaz. ­ Vi quando o relincho de camelo era apenas um relincho, depois passou a ser sinal de perigo, e finalmente tornou- se de novo um relincho. Mas calou-se. O Alquimista devia saber tudo aquilo. ­ Conheci verdadeiros alquimistas ­ continuou. ­ Se trancavam no laboratório e tentavam evoluir como o ouro; descobriam a Pedra Filosofal. Porque haviam entendido que quando uma coisa evolui, evolui também tudo que está a sua volta. "Outros conseguiram a pedra por acidente. Já tinham o dom, suas almas estavam mais despertas que a das outras pessoas. Mas estes não contam, porque são raros. "Outros, enfim, buscavam apenas o ouro. Estes jamais descobriram o segredo. Esqueceram-se de que o chumbo, o cobre, o ferro, também têm sua Lenda Pessoal para cumprir. Quem interfere na Lenda Pessoal dos outros, nunca descobrirá a sua". As palavras do Alquimista soaram como uma maldição. Ele abaixou-se e pegou uma concha no solo do deserto. ­ Isto um dia já foi um mar ­ disse. ­ Já tinha reparado ­ respondeu o rapaz. O Alquimista pediu ao rapaz para colocar a concha no ouvido. Ele tinha feito isto muitas vezes quando era criança, e escutou o barulho do mar. ­ O mar continua dentro desta concha, porque é sua Lenda Pessoal. E jamais a abandonará, até que o deserto se cubra novamente de água. Depois montaram em seus cavalos, e seguiram em direção às Pirâmides do Egito. O sol tinha começado a descer quando o coração do rapaz deu sinal de perigo. Estavam no meio de gigantescas dunas, e o rapaz olhou o Alquimista, mas este parecia não haver notado nada. Cinco minutos depois o rapaz percebeu dois cavaleiros a sua frente, as silhuetas cortadas contra o sol. Antes que pudesse falar com o Alquimista, os dois cavaleiros se transformaram em dez, depois em cem, até que as gigantescas dunas ficaram cobertas deles. Eram guerreiros vestidos de azul, com uma tiara negra sobre o turbante. Os rostos estavam cobertos por outro véu azul, deixando apenas os olhos de fora. Mesmo distante, os olhos mostravam a força de suas almas. E os olhos falavam em morte. Levaram os dois para um acampamento militar nas imediações. Um soldado empurrou o rapaz e o Alquimista para dentro de uma tenda. Era uma tenda diferente das que havia conhecido no oásis; ali estava um comandante reunido com seu estado-maior. ­ São os espiões ­ disse um dos homens. ­ Somos apenas viajantes ­ respondeu o Alquimista. ­ Vocês foram vistos no acampamento inimigo há três dias atrás. E conversaram com um dos guerreiros. ­ Sou um homem que caminha pelo deserto e conhece as estrelas ­ disse o Alquimista. Não tenho informações de tropas, ou o movimento dos clãs. Apenas guiava meu amigo até aqui. ­ Quem é seu amigo? perguntou o comandante. ­ Um Alquimista ­ disse o Alquimista. ­ Conhece os poderes da natureza. E deseja mostrar ao comandante sua capacidade extraordinária. O rapaz ouvia em silêncio. E com medo. ­ O que faz um estrangeiro numa terra estrangeira? ­ disse outro homem. ­ Trouxe dinheiro para oferecer a seu clã ­ respondeu o Alquimista, antes que o rapaz dissesse qualquer palavra. E pegando a bolsa do rapaz, entregou as moedas de ouro ao general. O árabe aceitou em silêncio. Dava para comprar muitas armas. ­ O que é um Alquimista? ­ perguntou, finalmente. ­ Um homem que conhece a natureza e o mundo. Se ele quisesse, destruía este acampamento apenas com a força do vento. Os homens riram. Estavam acostumados com a força da guerra, e o vento não detém um golpe mortal. Dentro do peito de cada um, porém, seus corações apertaram. Eram homens do deserto e tinham medo dos feiticeiros. ­ Quero ver ­ disse o general. ­ Precisamos de três dias ­ respondeu o Alquimista. ­ E ele vai se transformar em vento, apenas para mostrar a força de seu poder. Se não conseguir, nós lhe oferecemos humildemente nossas vidas, pela honra de seu clã. ­ Não pode me oferecer o que já é meu ­ disse, arrogante, o general. Mas concedeu os três dias aos viajantes. O rapaz estava paralisado de terror. Saiu da tenda porque o Alquimista lhe segurou os braços. ­ Não deixe que eles percebam seu medo ­ disse o Alquimista. ­ São homens corajosos, e desprezam os covardes. O rapaz, porém, estava sem voz. Só conseguiu falar depois de algum tempo, enquanto caminhavam pelo meio do acampamento. Não havia necessidade de prisão: os árabes apenas tiraram seus cavalos. E mais uma vez o mundo mostrou suas muitas linguagens: o deserto, antes um terreno livre e sem fim, era agora uma muralha intransponível. ­ Você deu todo o meu tesouro! ­ disse o rapaz. ­ Tudo que eu ganhei em toda a minha vida! ­ E para que lhe adiantaria isto, se tivesse que morrer? ­ respondeu, o Alquimista. ­ Seu dinheiro o salvou por três dias. Poucas vezes o dinheiro serve para adiar a morte. Mas o rapaz estava apavorado demais para ouvir palavras sábias. Não sabia como transformar-se em vento. Não era um Alquimista. O Alquimista pediu chá a um guerreiro, e colocou um pouco nos pulsos do rapaz. Uma onda de tranqüilidade encheu seu corpo, enquanto o Alquimista dizia algumas palavras que ele não conseguia compreender. ­ Não se entregue ao desespero ­ disse o Alquimista, com uma voz estranhamente doce. ­ Isto faz com que você não consiga conversar com seu coração. ­ Mas eu não sei transformar-me em vento. ­ Quem vive sua Lenda Pessoal, sabe tudo que precisa saber. Só uma coisa torna um sonho impossível: o medo de fracassar. ­ Não tenho medo de fracassar. Apenas não sei transformar-me em vento. ­ Pois terá que aprender. Sua vida depende disto. ­ E se eu não conseguir? ­ Vai morrer enquanto vivia sua Lenda Pessoal. É muito melhor do que morrer como milhões de pessoas, que jamais souberam que a Lenda Pessoal existia. "Entretanto, não se preocupe. Geralmente a morte faz com que as pessoas fiquem mais sensíveis à vida." O primeiro dia se passou. Houve uma grande batalha nas imediações, e vários feridos foram trazidos para o acampamento militar. "Nada muda com a morte", pensava o rapaz. Os guerreiros que morriam eram substituídos por outros, e a vida continuava. ­ Poderias ter morrido mais tarde, meu amigo ­ disse o guarda para o corpo de um companheiro seu. ­ Poderias ter morrido quando chegasse a paz. Mas irias terminar morrendo de qualquer jeito. No final do dia, o rapaz foi procurar o Alquimista. Estava levando o falcão para o deserto. ­ Não sei transformar-me em vento ­ repetiu o rapaz. ­ Lembre-se do que eu lhe disse: de que o mundo é apenas a parte visível de Deus. De que a Alquimia é trazer para o plano material a perfeição espiritual. ­ O que você faz? ­ Alimento meu falcão. ­ Se eu não conseguir transformar-me em vento, nós vamos morrer ­ disse o rapaz. ­ Para que alimentar o falcão? ­ Quem vai morrer é você ­ disse o Alquimista. ­ Eu sei transformar-me em vento. No segundo dia o rapaz foi para o alto de uma rocha que ficava perto do acampamento. As sentinelas o deixaram passar; já ouviram falar do bruxo que se transformava em vento, e não queriam chegar perto dele. Além disso, o deserto era uma grande e intransponível muralha. Ficou o resto da tarde do segundo dia olhando o deserto. Escutou seu coração. E o deserto escutou seu medo. Ambos falavam a mesma língua. No terceiro dia o general reuniu-se com os principais comandantes. ­ Vamos ver o garoto que se transforma em vento ­ disse o General ao Alquimista. ­ Vamos ver ­ respondeu o Alquimista. O rapaz os conduziu até o lugar onde havia estado no dia anterior. Então pediu que todos se sentassem. ­ Vai demorar um pouco ­ disse o rapaz. ­ Não temos pressa ­ respondeu o General. ­ Somos homens do deserto. O rapaz começou a olhar o horizonte a sua frente. Haviam montanhas ao longe, haviam dunas, rochas e plantas rasteiras que insistiam em viver onde a sobrevivência era impossível. Ali estava o deserto, que ele havia percorrido durante tantos meses, e que, mesmo assim, só conhecia uma parte muito pequena. Nesta pequena parte ele havia encontrado ingleses, caravanas, guerras de clãs, e um oásis com cinqüenta mil tamareiras e trezentos poços. ­ O que você quer aqui hoje? ­ perguntou o deserto. ­ Já não nos contemplamos o suficiente ontem? ­ Em algum ponto você guarda a pessoa que eu amo ­ disse o rapaz. ­ Então, quando olho suas areias contemplo também a ela. Quero voltar a ela e preciso de sua ajuda para transformar-me em vento. ­ O que é o amor? ­ perguntou o deserto. ­ O amor é quando o falcão voa sobre suas areias. Porque para ele você é um campo verde, e ele nunca voltou sem caça. Ele conhece suas rochas, suas dunas, e suas montanhas, e você é generoso com ele. ­ O bico do falcão tira pedaços de mim ­ disse o deserto. ­ Durante anos eu cultivo sua caça, alimento com a pouca água que tenho, mostro onde está a comida. E um dia, desce o falcão do céu, justamente quando eu ia sentir o carinho da caça sobre minhas areias. Ele carrega aquilo que eu criei. ­ Mas foi para isto que você criou a caça ­ respondeu o rapaz. ­ Para alimentar o falcão. E o falcão alimentará o homem. E o homem então alimentará um dia tuas areias, de onde a caça tornará a surgir. Assim move-se o mundo. ­ É isto o amor? ­ É isto o amor. É o que faz a caça transformar-se em falcão, o falcão em homem, e o homem de novo em deserto. É isto que faz o chumbo transformar-se em ouro; e o ouro voltar a esconder-se sob a terra. ­ Não entendo suas palavras ­ disse o deserto. ­ Então entenda que em algum lugar de suas areias, uma mulher me espera. E para isto, tenho que transformar-me em vento. O deserto ficou em silêncio por alguns instantes. ­ Eu lhe dou minhas areias para que o vento possa soprar. Mas sozinho, não posso fazer nada. Peça ajuda ao vento. Uma pequena brisa começou a soprar. Os comandantes olhavam o rapaz ao longe, falando uma linguagem que eles não conheciam. O Alquimista sorria. O vento chegou perto do rapaz e tocou seu rosto. Havia escutado sua conversa com o deserto, porque os ventos sempre conhecem tudo. Percorriam o mundo sem um lugar onde nascer e sem um lugar onde morrer. ­ Me ajude ­ disse o rapaz ao vento. ­ Certo dia escutei em você a voz da minha amada. ­ Quem lhe ensinou a falar a linguagem do deserto e do vento? ­ Meu coração ­ respondeu o rapaz. O vento tinha muitos nomes. Ali ele era chamado de siroco, porque os árabes acreditavam que ele vinha das terras cobertas de água, onde habitavam homens negros. Na terra distante de onde vinha o rapaz, eles o chamavam de Levante, porque acreditavam que trazia as areias do deserto e os gritos de guerra dos mouros. Talvez num lugar mais distante dos campos de ovelhas, os homens pensassem que o vento nascia em Andaluzia. Mas o vento não vinha de lugar nenhum, e não ia para lugar nenhum, e por isso era mais forte que o deserto. Um dia eles poderiam plantar árvores no deserto, e até mesmo criar ovelhas, mas jamais iriam conseguir dominar o vento. ­ Você não pode ser o vento ­ disse o vento. ­ Somos de naturezas diferentes. ­ Não é verdade ­ disse o rapaz. ­ Conheci os segredos da Alquimia, enquanto vagava o mundo com você. Tenho em mim os ventos, os desertos, os oceanos, as estrelas, e tudo que foi criado no Universo. Fomos feitos pela mesma Mão, e temos a mesma Alma. Quero ser como você, penetrar em todos os cantos, atravessar os mares, tirar a areia que cobre meu tesouro, trazer para perto a voz de minha amada. ­ Ouvi sua conversa com o Alquimista outro dia ­ disse o vento. ­ Ele falou que cada coisa tem sua Lenda Pessoal. As pessoas não podem se transformar em vento. ­ Me ensine a ser vento por alguns instantes, ­ disse o rapaz. ­ Para que possamos conversar sobre as possibilidades ilimitadas dos homens e dos ventos. O vento era curioso, e aquilo era uma coisa que ele não conhecia. Gostaria de conversar sobre aquele assunto, mas não sabia como transformar homens em vento. E olha que ele conhecia tanta coisa! Construía desertos, afundava navios, derrubava florestas inteiras, e passeava por cidades cheias de música e de ruídos estranhos. Achava que era ilimitado, e no entanto ali estava um rapaz dizendo que ainda havia mais coisas que um vento podia fazer. ­ É isto que chamam de Amor ­ disse o rapaz, ao ver que o vento estava quase cedendo ao seu pedido. ­ Quando se ama é que se consegue ser qualquer coisa da Criação. Quando se ama não temos necessidade nenhuma de entender o que acontece, porque tudo passa a acontecer dentro de nós, e os homens podem se transformar em vento. Desde que os ventos ajudem, é claro. O vento era muito orgulhoso, e ficou irritado com o que o rapaz dizia. Começou a soprar com mais velocidade, levantando as areias do deserto. Mas finalmente teve que reconhecer que, mesmo havendo percorrido o mundo inteiro, não sabia como transformar homens em ventos. E não conhecia o Amor. ­ Enquanto passeava pelo mundo, notei que muitas pessoas falavam de amor olhando para o céu ­ disse o vento, furioso por ter que aceitar suas limitações. ­ Talvez seja melhor perguntar ao céu. ­ Então me ajude ­ disse o rapaz. ­ Encha este lugar de poeira, para que eu possa olhar o sol sem ficar cego. O vento então soprou com muita força, e o céu ficou cheio de areia, deixando apenas um disco dourado no lugar do sol. No acampamento estava ficando difícil de enxergar. Os homens do deserto já conheciam aquele vento. Chamava-se Simum, e era pior que uma tempestade no mar ­ porque eles não conheciam o mar. Os cavalos relinchavam, e as armas começaram a ficar cobertas de areia. No rochedo, um dos comandantes virou-se para o general, e disse: ­ Talvez seja melhor pararmos com isto. Eles já quase não podiam enxergar o rapaz. Os rostos estavam cobertos pelos lenços azuis, e os olhos agora significavam apenas espanto. ­ Vamos parar com isto ­ insistiu outro comandante. ­ Quero ver a grandeza de Allah ­ disse com respeito o general. Quero ver como os homens se transformam em vento. Mas anotou mentalmente o nome dos dois homens que haviam tido medo. Assim que o vento parasse, ia destituí-los de seus comandos, porque os homens do deserto não sentem medo. O vento me disse que você conhece o Amor ­ disse o rapaz ao Sol. ­ Se você conhece o Amor, conhece também a Alma do Mundo, que é feita de Amor. ­ Daqui de onde estou ­ disse o sol ­ posso ver a Alma do Mundo. Ela se comunica com minha alma, e nós, juntos, fazemos as plantas crescerem e as ovelhas caminharem em busca de sombra. Daqui de onde estou ­ e estou muito longe do mundo ­ aprendi a amar. Sei que, se eu me aproximar um pouco mais da Terra, tudo que está nela morrerá, e a Alma do Mundo deixará de existir. Então nos contemplamos e nos queremos, e eu lhe dou vida e calor, e ela me dá uma razão para viver. ­ Você conhece o Amor ­ disse o rapaz. ­ E conheço a Alma do Mundo, porque conversamos muito nesta viagem sem fim pelo Universo. Ela me fala que seu maior problema é que até hoje, só os minerais e os vegetais entenderam que tudo é uma coisa só. E para isto, não precisa que o ferro seja igual ao cobre, e que o cobre seja igual ao ouro. Cada um cumpre sua função exata nesta coisa única, e tudo seria uma Sinfonia de Paz se a Mão que escreveu tudo isto tivesse parado no quinto dia da criação. "Mas houve um sexto dia", disse o Sol. ­ Você é sábio porque vê tudo à distância ­ respondeu o rapaz. ­ Mas não conhece o Amor. Se não houvesse um sexto dia da criação, não haveria o homem, e o cobre seria sempre cobre, e o chumbo seria sempre chumbo. Cada um tem sua Lenda Pessoal, é verdade, mas um dia esta Lenda Pessoal será cumprida. Então é preciso transformar-se em algo melhor, e ter uma nova Lenda Pessoal, até que a Alma do Mundo seja realmente uma coisa só. O sol ficou pensativo e resolveu brilhar mais forte. O vento, que estava gostando da conversa, soprou também mais forte, para que o sol não cegasse o rapaz. ­ Para isto existe a Alquimia ­ disse o rapaz. ­ Para que cada homem busque seu tesouro, e o encontre, e depois queira ser melhor do que foi na sua vida anterior. O chumbo cumprirá seu papel até que o mundo não precise mais de chumbo; então ele terá que transformar-se em ouro. "Os Alquimistas fazem isto. Mostram que, quando buscamos ser melhores do que somos, tudo em volta se torna melhor também". ­ E por que você diz que eu não conheço o Amor? ­ perguntou o Sol. ­ Porque o amor não é estar parado como o deserto, nem correr o mundo como o vento, nem ver tudo de longe, como você. O Amor é a força que transforma e melhora a Alma do Mundo. Quando penetrei nela pela primeira vez, achei que fosse perfeita. Mas depois vi que ela era um reflexo de todas as criaturas, e tinha suas guerras e suas paixões. Somos nós que alimentamos a Alma do Mundo, e a terra onde vivemos será melhor ou pior, se formos melhores ou piores. Aí é que entra a força do Amor, porque quando amamos, sempre desejamos ser melhores do que somos. ­ O que você quer de mim? ­ perguntou o Sol. ­ Que me ajude a transformar-me em vento ­ respondeu o rapaz. ­ A Natureza me conhece como a mais sábia de todas as criaturas ­ disse o Sol. ­ Mas não sei como transformá-lo em vento. ­ Com quem devo falar, então? Por um momento o sol ficou quieto. O vento estava ouvindo, e ia espalhar por todo o mundo que sua sabedoria era limitada. Entretanto, não tinha jeito de fugir daquele rapaz, que falava a Linguagem do Mundo. ­ Converse com a Mão que escreveu tudo ­ disse o Sol. O vento gritou de contentamento, e soprou com mais força do que nunca. As tendas começaram a ser arrancadas da areia, e os animais soltaram-se de suas rédeas. No rochedo, os homens se agarravam uns aos outros para não serem atirados longe. O rapaz se virou então para a Mão que Tudo Havia Escrito. E ao invés de falar qualquer coisa, sentiu que o Universo ficava em silêncio, e ficou em silêncio também. Uma força de Amor jorrou de seu coração, e o rapaz começo